Betinho encasquetou que iria comprar um cavalo. Reuniu a família para anunciar a decisão de adquirir o equino. “Meu sonho do momento!”, assim se referiu à aquisição. Segundo contou, já estava inclusive com o negócio engatilhado, com um vivente lá das bandas da casa do seu primo. “Ótimo preço e preto, como eu quero!”, narrou. Os filhos ficaram entusiasmados e saíram projetando possíveis nomes para batizar o animal. A esposa, ao contrário, ficou uma fera. – Pra que, Betinho? – Por que eu quero! Simples... – O que tu vais fazer com um cavalo, homem de Deus? – Cavalgar! – Mais um gasto? Mais uma boca para comer? – Cavalo come grama... E saiu sem dar maiores explicações. Voltou quando já estavam todos dormindo. No dia seguinte, acordou cedo. – O que está fazendo aí, Betinho? – Projetando... – Projetando o quê? – Uma cocheira para o cavalo, mulher! – Eu não acredito! Nos fundos do pátio? – Sim! Dá bem certinho no tamanho esse espaço aqui! Acho que o Mário faz pra mim... Vou lá falar com ele... – Betinho! Espera aí... Volta aqui que eu quero falar contigo sobre isso... Deixou a esposa falando sozinha. Retornou vinte minutos depois. – Tudo certo! Ele vai fazer a cocheira pra mim... Começa semana que vem... – Tu vais mesmo levar adiante essa ideia de comprar o cavalo? – Claro! Por quê? – Eu acho um absurdo isso! Um cavalo vai ser só para incomodar, Betinho! Já pensaste nisso? – Eu que vou cuidar! – Fora o fedor que vai levantar! – A gente lava... – Eu acho que nem pode criar cavalo dentro de pátio... – Pode! Já me informei... – Pra que um cavalo? Sabes que eu não gosto de bicho grande! – Por que tu na gostas eu não posso gostar? A esposa já estava ficando impaciente por não conseguir reverter Betinho da decisão de comprar o cavalo. Dois dias se passaram e a compra do equino era o assunto na família. Betinho ligava, gesticulava e negociava ao telefone. Foi então que deu a notícia fatídica. – Negócio fechado! Busco o animal amanhã! – Eu não acredito! Quanto tu vais pagar neste bicho? Era a pergunta que Betinho ansiosamente esperava que a esposa fizesse, pois imaginava a sua reação ao saber o valor. – Vou pagar parcelado. Vinte e quatro parcelas de R$ 120... Uma barbada! – Que absurdo, meu Deus! Tu vais gastar esse dinheiro todo em um cavalo podendo comprar outras coisas para casa, Betinho? – Vou... Eu quero! – Vou te avisar uma coisa: se tu apareceres aqui em casa com esse cavalo, quem vai sair sou eu... Ouviste bem? Betinho não respondeu. Não se falaram o resto do dia. Deitaram–se um ao lado do outro à noite sem trocar uma palavra se quer. A bem da verdade, Betinho não queria comprar o tal cavalo e estava apenas intermediando uma negociação entre dois amigos. Por isso, sabia detalhes da negociata. Ele queria mesmo era adquirir uma televisão nova, com uma tela maior, mas cogitou que a esposa negaria a solicitação, sendo que possivelmente indicaria outras necessidades da casa, como sempre fazia. Assim, “armou o circo” e aproveitou a oportunidade, criando a estratégia de “chantageá–la”, já que não poderia comprar o cavalo iria então comprar uma TV. Faria isso na manhã seguinte. Foi dormir tranquilo, afinal, o plano estava caminhando perfeitamente. Acordou no outro dia entusiasmado pela perspectiva da possível compra da televisão. Entusiasmo que logo foi dissipado ao notar que a esposa não estava na cama. O alerta de desconfiança foi acionado. “O que será que essa mulher está fazendo?”, pensou. Ouviu barulho na sala. Os filhos ainda dormiam. Saiu do quarto pé por pé e se surpreendeu ao encontrá–la: – O que é isso, mulher? – Ué! O que isso, Betinho? O que tu estás vendo... – Comprou? – Comprei, ora... O tempo que tu ias gastar dinheiro com um cavalo é melhor investir na casa... Aliás, pode desmanchando o negócio... O carnê para pagar está no teu nome... Fiz em vinte e quatro prestações... Betinho contemplou televisão nova. Deslumbrou–se. “Sorriu por dentro”. Era exatamente como queria: marca, modelo, polegadas, tudo. Porém, não podia ceder. – Com que cara eu fico agora com dono do cavalo, hein? Dei minha palavra... – Problema teu... Betinho fez cara de brabo e saiu para a rua. Fingiu que ligou para o proprietário do animal com o suposto objetivo de reaver o negócio e retornou rapidamente. Afinal, estava ansioso para ler o manual da nova televisão e mexer no controle remoto...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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