- Qual foi o melhor presente de Natal que você já recebeu? – perguntei, de repente, à Ana Carolina e à Ana Paula. - Foram tantos, não é verdade? Você é capaz de citar um e, mais do que isso, aquele que mais agradou, ou por seu valor intrínseco, ou pelo sentimental, não importa? O meu tenho na pontinha da língua – emendei, enquanto ambas pensavam. O assunto veio à baila por acaso. Dia desses, conversava com minha irmã mais velha, a Ana Carolina (sou a caçula de quatro filhas) e com minha prima, Ana Paula, na cozinha da minha casa, enquanto saboreávamos uma xícara de café com bolo que a empregada acabara de assar. Moro num bairro de classe média, no Jardim Chapadão, em Campinas, e não posso me queixar do meu estilo de vida. Sinto-me privilegiada, pois nasci em uma família com estabilidade financeira, bastante unida e que, sobretudo, sempre se amou. Meu marido, o Zeca, é gerente de banco e aguarda para qualquer momento uma promoção que, se vier, implicará num considerável aumento de salário. Sou escritora de histórias infantis e já emplaquei pelo menos três grandes sucessos editoriais. Esclareço que o papo em questão não tinha nada de especial e sequer fora planejado. Era dessas conversas descontraídas e informais que mulheres que se gostam de verdade e têm prazer na companhia umas das outras têm sempre que se encontram. A cada vez que nos reunimos, não importa onde e nem quando, nossas tertúlias íntimas se estendem por horas. E falamos de tudo nessas ocasiões, da família, do trabalho, de novelas da moda, de livros lidos e vai por aí afora, sem esquecer de uma ou outra fofoca de momento, para desespero de nossos respectivos maridos que, sempre que se encontram, terminam brigando por causa dos seus times de futebol. Em resposta à minha pergunta, Ana Carolina garantiu que o melhor presente de Natal que já recebeu foi seu filho Gustavo, em 1989. Ou seja, há 20 anos. - O danado nasceu quase na hora da ceia, você se lembra Letícia? – perguntou-me, como se fosse possível esquecer. Foi um auê! O Zacarias, meu cunhado, quase desmaiou de emoção, afobação ou sei lá o quê. Vá se entender os homens! Posam de durões, mas são uns manteigas derretidas! Meu cunhado não sabia o que fazer. Corria, atarantado, de um lado para outro, sem fazer nada de útil ou de prático. Mamãe, eficiente como era, não se abalou nem um pouco. Largou o peru, que estava destrinchando e, de imediato, foi buscar as malas da Carol, que ela havia, providencialmente, trazido quando veio para a ceia. Meu marido, por sua vez, era outro aloprado e trapalhão. Corria, igualmente, feito barata tonta, tão afobado ou mais que o Zacarias. Parecia, até, que o filho a nascer era o nosso. Aliás, quando o Joaquim nasceu, dizem que o Zeca deu o maior vexame. Entre outras coisas, caiu durinho, desmaiado, na sala de espera da maternidade, assim que a enfermeira informou que nosso filho havia nascido. Naquela noite maluca de Natal, citada pela Carol, porém, só papai, na verdade, com seu jeitão calmo e sereno, conseguiu manter a compostura, ou seja, a cabeça no lugar. E tranqüilizou todo o mundo. - Calma, gente, meu neto só vai nascer daqui umas duas horas. Dá tempo, até, de ir a São Paulo se vocês quiserem – disse com uma calma que talvez (ou provavelmente) nem sentisse. - Como eu iria esquecer! – exclamei, ao lembrar daquela noite agitada, sem esconder uma pontinha de ironia – Foi um Deus nos acuda! Por pouco seu filho não nasce na casa do papai, em plena sala de jantar, bem na horinha da ceia! – completei. - Não exagera! Deu tempo para chegar à maternidade e ainda tive que esperar um tempão – interveio Carol, interrompendo a gargalhada minha e da Ana Paula. - Ele nasceu somente às três e tanto da madrugada de Natal – lembrou minha irmã, mal escondendo uma pontinha de irritação com a nossa brincadeira. Fazíamos esse tipo de zoada de propósito. Sabíamos que a minha irmã detestava que brincassem com suas lembranças. Gozado, na minha memória, o nascimento do meu sobrinho havia demorado muito menos. Fora, conforme a minha impressão, quase instantâneo. Por muito pouco não havia ocorrido em plena sala de jantar da casa do papai. - A bola está com você, Ana Paula – eu disse, encarando minha prima. – Qual foi seu presente especial de Natal? - O meu? Ora, nem poderia ser outro. Foi o cruzeiro pelo Caribe, na minha lua-de-mel! Um luxo! Que navio! Que lugares maravilhosos! Às vezes penso que nada disso aconteceu e que apenas sonhei – respondeu Ana Paula, com olhar sonhador. - Também, com um pão daqueles! A viagem seria maravilhosa nem que fosse para o Haiti e num desses barquinhos desengonçados que ameaçam se desmanchar no mar, de tão mambembes – observou Carol, que sempre teve uma quedinha pelo Marcelo, marido da minha prima. - Foi, não sei se vocês se lembram, na véspera do Natal de 1985 – prosseguiu Ana Paula, ignorando a observação da minha irmã. - Claro que me lembro – afirmei. – Quase que não pudemos ir ao seu casamento. Isso lá é data para se casar?! – acrescentei em tom de crítica, a mesma que havia feito há 24 anos. - Pois acho que não há dia mais oportuno do que este. Afinal, o Natal não é a celebração da vida? Pois então, o casamento também é. Limitamo-nos a unir o útil ao agradável, nada mais – respondeu Ana Paula, que como excelente advogada que era, tinha argumento para tudo. - Agora é a sua vez Letícia – disseram, ambas, ao mesmo tempo e gargalhando pelo fato de terem feito coro. - O meu presente de Natal inesquecível eu ganhei em 1967 – revelei. - Não é possível! Você só tinha dois anos! E não vai dizer que foi aquela boneca desengonçada, que você batizou de Garrafa! – exclamou minha irmã. - Não, não foi a boneca. E apesar dos especialistas dizerem que passamos a nos lembrar, somente, de coisas que nos aconteceram por volta dos quatro anos, lembro daquele Natal como se fosse hoje. Até da roupa que eu, você, a Beatriz e a Terezinha vestíamos – respondi, com absoluta convicção. - Se não foi a boneca, a tal da Garrafa, qual foi esse presente tão especial? Papai e mamãe não costumavam dar mais de um presente para nenhuma de nós – Carol voltou à carga. - Calma, já explico – respondi. Antes, já que as mencionei, devo dizer que Beatriz e Terezinha são minhas duas outras irmãs. A primeira, é apenas dois anos mais velha do que eu. Atualmente, está na Inglaterra, mais especificamente na cidade de Manchester, participando de um programa de intercâmbio de estudantes. Em contrapartida, a inglesinha (simpática, por sinal) Wendy está conosco, hospedada em nossa casa (na verdade, na minha). Já Terezinha é apenas um ano mais nova que Carol e, portanto, seis mais velha do que eu. Também está no exterior, nos Estados Unidos, e pelo jeito vai ficar mesmo por lá. Está apaixonadíssima por um jogador de futebol americano da universidade e garante que logo, logo, vai se casar. - Não foi a Garrafa meu grande presente daquele Natal, embora eu guarde essa boneca até hoje. Apaixonei-me por ela exatamente porque é tão feiinha. E hoje está muito mais feia ainda – comecei a explicação. - Você se lembra da brincadeira que fizemos com papai e mamãe? – perguntei à Carol, para tentar explicar qual foi esse presente tão especial. - A da caixa? Claro que lembro! Você quase estragou tudo! – respondeu minha irmã. - É que apesar de vocês terem feito furo nela, eu quase não conseguia respirar. E lá dentro estava escuro demais. Vocês não paravam de rir e demoraram muito para chamar papai e mamãe – recordei. - Também, você não parava de resmungar! – respondeu a Carol. - Pois é, você lembra da cara de espanto que papai fez quando vocês disseram que aquele era o nosso presente para ele? Nunca vou esquecer o olhar de ternura que ele me dirigiu quando, de repente, saí da caixa e caí em seus braços. Justo ele que era tão sério e sorria tão pouco! Quando ele me apertou em seus braços, dizendo que mesmo sendo homem, iria se divertir muito com aquela “boneca” que falava e que ria (e eu gargalhava, sem conseguir conter a risada), que acabara de ganhar (no caso eu), nunca antes e nunca depois me senti tão amada, protegida e valorizada como naquele momento. Lembro que vi lágrimas escorrerem de seus olhos, apesar dele logo tratar de disfarçar, dizendo que lhe entrara um cisco no olho. Cisco coisa alguma! Aquele amor, que se estendeu pelo resto da minha vida, foi não só o meu melhor presente de Natal, mas o melhor presente que já recebi e posso vir a receber enquanto viver! – arrematei. A Carol é mesmo uma chorona. Pois não é que ela se derreteu em lágrimas após essa revelação, enquanto a Ana Paula se mantinha pensativa! Aliás, não é para menos. Que falta o papai, esse homem carinhoso, inteligente e bom, nos faz! Se eu fui, como ele disse, seu melhor presente, imagine ele, com sua compreensão, bondade e amor! Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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