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Contos
12/11/2013 - 09h00
O túmulo de Margarida
Maria Cândida Vieira
 

Era já um pouco tarde quando ele conseguiu ir ao cemitério onde estava enterrado seu pai. Homem de cidade, há anos não vivia no campo e não pudera acompanhar o enterro do pai, que morrera em casa, nos braços da esposa.

Antes de ir ao cemitério, passara pela casa da mãe, abraçara-a e perguntara:

- Mãe, não quer ir à cidade? Ficar sozinha aqui agora que pai se foi.

- Não dá, meu filho. Eu vivi aqui a vida inteira. Vou morrer aqui.

Comprou umas flores e foi ao cemitério. Ajoelhou-se em frente ao túmulo, cheio de pesar por não ter podido dar o último adeus ao homem que tanto fizera por ele. Sua concentração foi quebrada por soluços altos e dolorosos, que despertaram sua curiosidade. Andou na direção deles e viu uma moça de vestido azul, aparentando uns dezessete anos, com cabelos castanhos, que chorava desconsolada sobre um túmulo.

Aproximou-se da moça, condoído.

- Por que chora, menina?

- Estou chorando por Margarida.

Inclinou-se sobre uma sepultura simples, onde se via que a pessoa sepultada ali se chamava Margarida e se viam suas datas de nascimento e morte, embora ele não pudesse ler bem, pois estavam apagadas. Falou:

- Ela morreu muito jovem.

- Morreu jovem e não pôde fazer nada do que sonhava. E todos a esqueceram. Ninguém vem visitá-la.

Viu que a menina tinha olhos grandes, castanhos e melancólicos. O que ela seria de Margarida? Irmã, amiga?

- Ora, não pense assim.

- Penso sim. Pessoa alguma se importava com Margarida. Ela tinha amor dentro dela, mas foi esquecida. Veja: há alguma flor no seu túmulo?

- Vejo que gostava muito de Margarida.

- Sim, ela cuidava dos irmãos mais novos, ajudava a mãe nos trabalhos de casa, mas nunca se importaram com ela. Morreu dizendo que ninguém a amava ou se importava com ela. E que morrer a libertaria da vida que só a oprimia.

- Pois eu vou mostrar que me importo.

- Mesmo?

- Sim. Foi ao túmulo do pai, pegou algumas rosas e colocou no túmulo de Margarida.

- Margarida é o nome de uma flor, não é? Ela merece flores.

- São lindas as flores. Obrigada. Em todo esse tempo, pessoa alguma deu flores a Margarida.

- Adeus, menina.

- Espere, posso fazer um pedido?

- Qual?

- Se você quer mostrar que se importa com Margarida, vá à casa azul que fica a...

- Está certo, eu irei.

Voltou para casa, pensando na menina. Por que ela sofria tanto? Conversou com a mãe, que disse:

- Já vi essa casa, mas é muito longe daqui. Moram umas pessoas muito velhas ali.

Resolveu que iria. Pegou umas margaridas do jardim da mãe, entrou no seu carro e se dirigiu ao endereço onde a menina indicara. Talvez os pais de Margarida já não morassem lá, mas queria ter certeza.

Bateu na porta e um homem muito idoso atendeu:

- Em que posso ajudá-lo.

Um tanto embaraçado e mostrando o buquê de margaridas, disse a razão da visita.

- Entre. - Disse o senhor.

Uma mulher muito velha apareceu.

- Quem é o senhor? Sente.

Sentando, ele disse como conhecera a moça no cemitério, relatou a conversa e o pedido que ela lhe fizera.

- Você conversou com essa moça? Como ela era?

- Ah, era uma menina muito bonita, de vestido azul, cabelos escuros e olhos tristes.

- A menina usava azul? - A velha ficou com a voz embargada.

- Sim, ela estava chorando muito, dizendo que ninguém se importava com Margarida ou visitava seu túmulo.

O velho levantou e perguntou:

- Ela disse tudo isso a você?

- Disse.
A velha foi para dentro e voltou, trazendo fotos na mão. Mostrou-as ao visitante. Ele reconheceu a moça com quem conversara.

- Mas, essa é a moça com quem falei!

- Sim, essa é a nossa filha Margarida. Ela morreu aos dezessete anos. - O velho chorou.

- Impossível! Eu falei com ela, ela está viva!

- Não, nossa filha Margarida se matou aos dezessete anos, porque não permitimos que namorasse um rapaz. Ela dizia que amava o rapaz e queria casar com ele, mas nós não permitimos. Ela se matou! Nós a enterramos com um vestido azul e não a visitamos porque sempre pensamos na culpa que sentimos.

- Eu era um pai muito severo! Desde menina, ela teve que ajudar em casa e não se divertiu muito. Era uma menina triste.

- Todos os dias, pensamos na falta e na culpa!

Aterrorizado, ele se levantou abruptamente.

- E a menina com quem o senhor falou disse que Margarida foi esquecida? Não, não foi! Nós pensamos em Margarida todos os dias! Ela não casou nem teve filhos, como os seus irmãos! Sempre pensamos no que poderia ter sido e não foi!

Deixou o buquê na mesa da sala e disse:

- Desculpem-me, mas não posso ficar. Tenho que ir.

Então, a menina com quem ele falara era a própria Margarida, que se matara por não poder casar com quem amava. Enlouquecido, foi ao cemitério. O sol estava baixando. Foi ao túmulo de Margarida. Não havia ninguém lá e as únicas flores eram as rosas que ele pusera no dia anterior. Debruçou-se, atordoado. Foi então que viu algo ao lado do túmulo. Era uma fita azul. Lembrou que a menina com quem falara tinha uma fita azul no cabelo. Pegou-a e sentiu que era observado. Olhou para os lados e disse:

- Você?! Você está...

A menina Margarida o olhava, chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Ela acenou e partiu, andando entre os túmulos.

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