“Todo mundo em casa e eu indo trabalhar. Escravidão!”, reclamou Ronaldo para si mesmo ao entrar no trem quase vazio rumo ao trabalho. Era feriado e um chamado de emergência o obrigou a se deslocar até a empresa, onde atuava na área de Tecnologia da Informação. Ingressou no trem e a irritação em que se encontrava se dissipou rapidamente, assim que notou a bela morena de coxas grossas sentada à sua direita. “Meu Deus do céu! Que mulher é essa, hein? Linda e muito gostosa. Nossa!”, pensou. A morena como se lesse pensamentos abriu um sorriso para Ronaldo. Ele retribuiu e arrumou-se no assento. O barulho do trem em deslocamento inundou o vagão. Em meio às esporádicas cobiçadas na morena, que não lhe tirava os olhos, Ronaldo ficou a divagar sobre as próprias inquietações, mexendo no telefone e tendo como trilha sonora a banda Pearl Jam no fone de ouvido. Foi quando a morena inesperadamente bateu no seu ombro: - Oi! - Opa! Oi... - Tudo bem? - Tudo! - O que está escutando? - Pearl Jam. Gosta? - Gosto! É muito bom! - É mesmo! - Um ótimo fundo musical para uma transa... Eu acho pelo menos! - Ô se é! - Está indo onde? - Para o trabalho... - Putz! Em pleno feriado? Com tanta coisa interessante para fazer... - Pois é... - Tomar um chopp comigo... Não seria um bom programa? - Seria! Mas... - Mas? Silêncio. Ronaldo olhou a morena de cima a baixo. Era muita “areia para o seu caminhão”. O seu senso de desconfiança despertou. Tinha coisa errada. Não podia uma mulher linda como aquela se interessar por ele. Nunca tinha acontecido. “Por que agora?”, questionou-se. Não podia ser verdade. Tinha armação. “A esmola era demais”, pensou. - Trabalha com o quê? - Informática... - Hum... Já desconfiava! - Ué! Por quê? - Todos vocês que trabalham com isso tem um jeitinho de nerds... - Para com isso! - E eu adoro! - Hum... - Tem um ar de mistério que me atrai. Sei lá! - Sei... Sei... Trabalhas onde? - Sou secretária. - Sei... - Por que essa cara? - Não é modelo? - Não! - Não mesmo? - Não! - Sei... Sei... - E aí, vamos tomar um choppinho? - Não vai dar. Tenho que descer na próxima estação... - E depois do trabalho, talvez? - Fala sério! - O quê? - Estou participando de alguma pegadinha da televisão, né? - O que está falando? - Teste de fidelidade do João Kleber é isso? - Não estou entendendo! - Pegadinha do Domingo Legal, então? - Não viaja! - Da Record? - Não viaja! Por que está perguntando isso? - É que... - Sua estação está chegando. Vamos ou não tomar um choppinho? Anota o meu telefone aí... Ou melhor, me adiciona no Facebook: Sheila Silva! Conversamos por lá! Nome? - Me diz uma coisa: vai me sair quanto essa saída? Neste instante o trem para na estação. - Como assim? - Olha, como assim? Vai me sair quanto essa saída? Está na cara que você é... - Agora entendi! Seu grosso! Estúpido! Idiota! Está pensando o quê? Palhaço! Ronaldo desce do trem em meio aos xingamentos da morena. A situação o atordoa o restante do feriado. No dia seguinte, ele resolve desabafar com um amigo sobre o ocorrido e narra-lhe toda a história, que com uma visão menos cética e maior senso de oportunidade, indaga-lhe: - Em algum momento chegou a te passar pela cabeça que ela realmente poderia estar interessada em ti? A morena recusou-se a adicioná-lo no Facebook que mostrava o seu perfil como secretária de um escritório de advocacia. Todo o dia Ronaldo vai à estação de trem a sua procura, mas sem sucesso. Então, balançando a cabeça de um lado para outro e como um louco esbraveja penitenciando a si mesmo: - Burro! Burro! Burro!
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
|