Certa ocasião a vida me proporcionou conhecer a história do Valmor. Ele era senhor na faixa dos 60 anos, com escassos cabelos pretos bem penteados com gel pra trás e um corpo debilitado pelas dificuldades que vivera nos últimos anos. Caminhava devagarzinho com o auxílio da bengala ou da sua esposa, a companheira inseparável de todas as horas. Moravam em Porto Alegre e, se não me falhe a memória, Valmor tinha trabalhado como bancário até se aposentar devido ao surgimento de problemas de saúde. O pai de dois filhos descobrira que estava com câncer em um dos dois rins. Depois de passar por avaliação médica e realizar uma série de exames, o tratamento decidido foi pela retirada do rim doente. Ancorado na esperança da cura submeteu-se a operação. Porém, estranhamente, após a cirurgia não foi encaminhado a qualquer processo de quimioterapia ou radioterapia. Voltou para casa crente que vencera a luta contra a doença. A tormenta que se tornara a sua vida tinha chegado ao fim. Ou não. No ano seguinte à retirada do rim enfermo, em exames de rotina, Valmor recebeu a pior notícia que poderia ouvir: o rim restante foi diagnosticado também com câncer e o seu funcionamento estava comprometido. Assim, começava a sua saga por hospitais e a batalha dupla de tratamentos. Em três dias na semana fazia hemodiálise para a filtragem do sangue e, em outros três, radioterapia para combater o câncer. Ou seja, ele tinha apenas o domingo de “descanso” no quesito cuidar da saúde. Essa rotina já durava quase um ano. Embora todas essas dificuldades, Valmor tinha um semblante tranquilo e feliz. Sempre quando me via abria um largo e cativante sorriso e, invariavelmente, abria a conversa questionando: - Como vai guri? E o tempo? Será que chove hoje? Ele sabia que eu escutava rádio pela manhã, que era quando nos encontrávamos, e estava com a previsão do tempo atualizada na ponta da língua. A partir daí, com a devida atualização climática, abríamos o bate-papo para outros assuntos. Por cerca de 20 dias, ouvi suas saborosas histórias, contadas com entusiasmo juvenil. Não sei se Valmor está vivo ou já partiu para outro plano espiritual. O nosso contato se perdeu com o tempo. Entretanto, toda a vez que começo a reclamar muito da vida, lembro-me dele e das dificuldades diárias que enfrentava com os tratamentos e os seus efeitos colaterais, porém, sem nunca perder o encanto de estar vivo e lutar bravamente para isso. O fato de recordá-lo leva-me inevitavelmente a comparação e os meus problemas acabam ficando ínfimos. Uma lição de vida.
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
|