Gislaine era uma mulher discreta. Não costuma usar roupas provocantes que incitasse o sexo oposto. Apesar do modelado corpanzil, achava-se feia e extremamente desengonçada. Andava com a autoestima baixa. Trabalhava em uma farmácia, a poucas quadras da sua residência, onde morava com a mãe. Percorria esse caminho diariamente gastando a sola das sandálias. A morena de olhos castanhos, que não chamava muito a atenção pelos locais em que circulava, tinha uma rotina simples de vida que se resumia da casa para o trabalho e vice-versa. Aos finais de semana, frequentava barzinhos e shows com um grupo de amigas. Ao longo dos seus 31 anos, teve alguns namorados, mas, ainda, sonhava e esperava pelo príncipe encantado. Tinha uma vida pacata, por assim dizer. Até ocorrer o temporal, em um domingo à tarde. O granizo castigou a cidade por cerca de 10 minutos, seguido de mais 10 minutos de intensa chuva. Foi o suficiente para causar muitos estragos por todos os lados. Por sorte, a casa de Gislaine foi pouco afetada, tendo apenas quatro telhas quebradas. No entanto, essas poucas telhas danificadas mudariam a sua vida nos dias seguintes. A água que caiu do céu e entrou na casa atingiu o seu roupeiro, deixando todas as suas roupas molhadas. A exceção foram quatro peças: um pijama, uma blusa decotada que ganhara de aniversário e nunca usara, um par de botas e uma calça cinza, que não gostava de usar, pois como achava-se gorda, pensava que ela marcava demais o corpo. Na falta de opção, na segunda-feira, Gislaine tivera que vestir e calçar para trabalhar as únicas roupas e calçados que sobraram secos. O longo cabelo solto e as botas deram-lhe um ar sexy. A blusa branca, com o botão próximo à gola aberto, realçou os belos seios. Mas, foi a calça cinza tangenciando as curvas dos seus arredondados glúteos, que a deixaram no estilo “mulherão”. Gislaine estava transformada. Pela primeira vez, ao se olhar no espelho, gostou do que viu e sentiu-se confiante. Até batom vermelho passou nos finos lábios. Tal transformação não demorou muito a ser notada. Ao passar em frente a uma obra no caminho para o trabalho, a massiva presença masculina no local, ao vê-la quase desfilando e com o bailar sincronizado das nádegas transvestida de cinza, fez com que ela fosse ovacionada, com gritos em tom de coral: “Gostosa, gostosa, gostosa, gostosa, gostosa!” Gislaine abriu um leve sorriso. Sentiu-se desejada, como nunca tinha acontecido. A autoestima foi às alturas. Gostou da experiência. Queria repeti-la, no entanto, no dia seguinte, a confiança esvaiu-se com o sono e ela voltou a vestir-se “normalmente”. Ao passar pela obra, sua presença nem foi notada. Foi então que, subitamente, surgiu um pensamento e ela entendeu o poder que uma calça cinza provoca nos homens. Na quarta-feira, Gislaine produziu-se como nunca para ir trabalhar. Sua mãe até desconfiou, mas como a criticava justamente pelo desleixo, resolvera não falar nada. Bem maquiada, trajando uma blusa preta e a excitante calça cinza, cruzou novamente em frente à obra, levantando o grupo de trabalhadores, que eufóricos gritaram: “Gostosa! Ô lá em casa! Benzadeus! Tesão! Volta aqui gata!” Ainda, escutou o comentário de um dos trabalhadores: “Qualquer mulher fica gostosa dentro de uma calça cinza!” Na quinta-feira, a cena e os elogios repetiram-se quando Gislaine desfilou com a sua calça cinza sob os olhares sedentos de desejo do pessoal da obra. Eis que surge a ensolarada sexta-feira. Como nos dias anteriores, cheia de confiança e com a autoestima em nível elevado, Gislaine arrumou-se toda para ganhar, nem que fosse por breves segundos, a sua dose diária de ânimo e alimento do ego. Sem qualquer tipo dúvida, vestiu novamente a calça cinza e uma blusa de mesmo tom. Sentia-se poderosa. Exalando um provocante perfume, rumou para o trabalho. Ao apontar na rua da obra, quase sempre no mesmo horário, os trabalhadores já ficaram atentos esperando-a cruzar com o seu rebolado pelo local. Era quase um desfile. Foi que então, Gislaine aprendeu a lição que nem sempre é possível agradar o tempo todo e a todo mundo, quando um dos homens com mais percepção inesperadamente gritou: “Ô relaxada! Cinco dias com a mesma calça! Vai tomar um banho, porca!”
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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