Era madrugada do dia 24. Em meio a um sonho, o anjo Gabriel “materializou-se” e anunciou a mensagem de Deus para Salomão: “Nos encontraremos no próximo dia 27. Terás três minutos comigo”. Atônito, Salomão levantou-se rapidamente e não conseguiu mais dormir naquela noite. A “realidade” com que o recado fora dado perturbou-o, apesar disso, não comentou o ocorrido com ninguém. Controlou externamente a ansiedade, porém, internamente, os pensamentos inquietamente o lembravam da mensagem a todo o instante. Em um primeiro momento, tentou não acreditar, desconsiderar a mensagem e creditar tudo a um mero sonho. Mas, à medida que o tempo passava, o fato ganhava força em suas reflexões e não havia mais como desconsiderar tal recado. Quando resolveu acreditar no sonho, inicialmente, interpretou que a mensagem era um aviso divino que teria apenas mais algumas horas na terra e que dia 27 era o fim, sendo que teria três minutos com Deus. “Pelo menos já sei que vou para o céu”, pensou, mantendo o bom humor. Com um papel em branco e um lápis na mão, começou a fazer uma lista de coisas que deveria fazer antes de morrer. Não tinha tempo a perder. Enquanto fazia a lista, logo, surgiu-lhe outra avaliação. “E se o recado fosse interpretado como uma convocação para um encontro, em que eu teria a oportunidade de falar e perguntar tudo que quisesse a Deus, sem ter morrido. Será isso?”, perguntou-se. Embora essa hipótese também não eliminasse a questão morte, ela ampliava a perspectiva e trazia a magnitude do que seria o encontro com Deus em relação a afazeres mundanos que estava planejando. A questão agora era outra: “o que falar com Deus?”, indagou-se. Era necessário considerar que poderia estar vivo ou morto no momento do encontro. Isso mudaria o ângulo e os caminhos da conversa. Ainda, levar em conta que talvez nem falasse, mas apenas ouvisse o que Deus tinha a lhe dizer. Era preciso estar preparado para qualquer situação. Decidiu que, primeiramente, a postura que adotaria seria de ouvir e depois falar. “Mas, o que falar nestes três minutos?”, questionou-se. Pensou em agradecer pela vida e por tudo de bom que ela havia lhe proporcionado. No entanto, recuou, afinal, fazia isso com frequência em suas orações e talvez estivesse se repetindo e perdendo o precioso tempo. Abolida a ideia do agradecimento, Salomão começou a questionar sobre a própria existência. “Teria eu cumprido a minha missão na terra? Aliás, temos uma missão na terra? Por que eu estou aqui? Por que acontece ou aconteceram certos episódios comigo? Como será o meu futuro?” elaborou as questões. Quando estava quase seguro que o caminho seria questionar a própria existência junto a Deus, outra reflexão cheia de sentimentalismo surgiu-lhe: “não estarei eu sendo egoísta perguntando apenas sobre mim?”. Era um quesito a avaliar. “O homem tem o livre árbitro sobre a vida ou temos um destino estabelecido? Por que existem as doenças, a dor, a fome, o sofrimento e as guerras? Onde estão as curas para esses males? Onde está a felicidade? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Existe o céu e o inferno? Por que as coisas são como são? Como se atinge a perfeição?” foram alguns dos questionamentos que transcorreram eloquentemente os pensamentos de Salomão até o dia 27. O dia marcado nasceu com um exuberante céu azul. Salomão passara a noite oscilando entre momentos de sono e de insônia. A excitação era grande, porém, ao mesmo tempo, tinha um sentimento de paz interior. Como não sabia onde e em que horário seria o encontro, resolveu seguir a agenda de atividades que planejara com afinco nos últimos dias. “Belo dia para o fim. Ou não?”, pensou e abriu um pequeno sorriso. Caminhando pelas ruas da cidade uma nova inquietação lhe ocorreu. “Se hoje realmente for o meu último dia na terra, será que vivi a vida que queria? Fiz tudo que queria?”. Sentou-se em um bar para tomar uma cerveja e pensar no assunto. “O saber da cronologia da vida provoca invariavelmente uma reflexão sobre o passado. Talvez, eis o motivo de não sabermos quando vamos morrer, para que assim, façamos essa análise sobre a própria existência todos os dias”, refletiu. Logo após o pensamento, deu-se conta que, a bem da verdade, ele sabia quando seria o seu fim. Enquanto bebericava o líquido gelado e filosofava sobre a vida, uma vontade súbita de sair conversando com as pessoas pelas avenidas da cidade lhe ocorreu. Rasgou o papel que tinha anotado as atividades programadas e com um sorriso no rosto, tomou o último gole de cerveja e partiu sem rumo. Trocou ideias sobre todos os assuntos e em vários lugares com vendedores, lixeiros, ambulantes, aposentados, crianças, pessoas felizes, pessoas deprimidas, pessoas doentes, com dinheiro, sem dinheiro, enfim, um mar de gente que até perdeu a conta ao final do dia. Já em casa, enquanto tomava um banho de banheira, Salomão refletia sobre o aprendizado e as inquietações sobre as perspectivas e o modo de ver e encarar a vida que surgiram depois de todas aquelas conversas. Três lições foram aprendidas e redigidas em um papel. “A felicidade está no peso que damos para os fatos. Os dias são feitos de coisas boas e ruins. É quase uma regra. Devemos maximizar as boas e minimizar os contratempos, que muitas vezes não passam de pequenos obstáculos ou golpes do destino. O problema é que o ser humano tem a tendência natural de enfatizar e valorizar o negativo”, pensou. Ainda, chegou à conclusão de que todas as pessoas têm uma missão na terra e que nada acontece por acaso, mesmo que, em um primeiro momento, não faça sentido. O tempo fará a ligação entre os fatos. A história das pessoas lhe mostrou isso. Compreendeu que há os que estão por aqui para fazer os outros sorrirem, para emocionar, fazer pensar, ajudar o semelhante, gerar outros seres, enfim, uma infinidade de missões, inclusive, aqueles que causam sofrimentos alheios. Notou que o ser humano realmente parece estar um escala evolutiva. Lembrou-se do livro a Divina Comédia, de Dante Alighieri, com seus estágios: inferno, purgatório e paraíso. Salomão ficou a se perguntar qual era a sua missão neste plano terrestre e se a havia cumprido. Por fim, as conversas lhe deixaram como legado uma lição sobre Deus e a fé. “Deus não se resume a ser um supremo, que está no céu e tudo pode. Deus está dentro de nós e cada um de nós somos deuses. Por isso, está na Bíblia que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança. Sendo assim, não adianta, por exemplo, ir diariamente a uma igreja e orar, orar e orar, mas minutos depois sair destratando as pessoas, pois, de tal modo, estaremos destratando ao próprio Deus”, concluiu. Ao sair do banho, Salomão olhou a hora no relógio da parede da sala. Era 23h21mim. “O encontro de três minutos com Deus não passou de mero sonho”, raciocinou. Foi dormir e devido ao cansaço, logo pegou no sono. Às 00h01mim do dia 28, Salomão morreu enquanto dormia. Os olhos demoraram um pouco para se adaptar a luminosidade do lugar e uma leve vertigem o dominou por alguns segundos. Um homem o acudia com uma presteza celestial. Tomou um pouco de água e respirou fundo. Os sentidos foram retomando. Com um sorriso no rosto, São Pedro lhe deu as boas-vindas. “Aqui é o céu”, pensou. Estava deitado no chão, embaixo de uma árvore. Uma voz com um tom impressionante de afetuosidade, como se tivesse lido os seus pensamentos, respondeu: - Sim! Aqui é o céu, meu filho! Salomão rapidamente levantou-se e então percebeu quem era o dono da voz. Tinha-o imaginado muito diferente. Deus estava sentando em um banquinho. Vestia uma simples roupa branca e comia tranquilamente uma maçã. - Tinha me imaginado diferente, correto?, indagou Deus. - É..., resumiu-se a responder Salomão. - Eu sei, meu filho! Como todos. Mas, não tem problema. Sente-se!, replicou carinhosamente Deus. Em silêncio, Salomão sentou-se no chão em frente a Deus que, terminou de comer a fruta e, cuidadosamente, virou uma ampulheta e retomou o diálogo: - Terás três minutos comigo... Recebeste o recado de Gabriel? - Recebi, sim senhor! Só que... - Fale? - Se o senhor me permite perguntar... Mas o nosso encontro não estava marcado para ontem? - Estava... - Então, ganhei um dia a mais? - O homem foi feito a minha imagem e semelhança... - Hum... Sei... Sei... Aliás, já sei! Vamos ver se entendi... Então, no momento que, por exemplo, converso com alguém, de alguma forma, estou conversando com o senhor. Isso vale para todas as ações. A minha reflexão no meu último dia de vida estava correta? - Exatamente, Salomão! Conversamos o dia todo ontem... O recado de Gabriel foi apenas para lhe fazer refletir sobre a vida... - Certo... Compreendo perfeitamente... Falando nela... E o meu pensamento sobre a vida? - Perfeito! Sem tirar nem pôr qualquer outra palavra... Como as pessoas refletiriam e evoluiriam em sua existência se só acontecessem coisas boas? A felicidade está no peso que damos aos fatos, como bem escreveste... - Então, senhor, isso quer dizer que... - Isso quer dizer que realmente todos que estão na vida terrena têm uma missão. - Eu sabia, Deus! Eu sabia... - Tiveste uma grande vida evolutiva, Salomão! Tudo que aconteceu contigo e as situações que vivenciastes foram para lhe auxiliar de alguma forma no cumprimento da tua missão na terra... - Isso quer dizer que cumpri a minha missão, senhor? - Cumpriu com perfeição! - Ufa! Bom saber disso... - Não vais me perguntar qual era? - Lógico, senhor! Qual era? - A sua missão Salomão era levar um recado meu sobre a vida para a humanidade... - Como assim? - O papel que escreveste com as três lições será encontrado junto ao seu corpo e seus escritos rodarão o mundo. Mas, infelizmente, poucos os compreenderão e os levarão a sério... - Agora, compreendo tudo, senhor! Tudo claramente faz sentido... Fui uma espécie de enviado? - Espécie, não. Foste meu enviado, meu filho! - Entendi! - Salomão, seu tempo está acabando e a fila é longa... Alguma coisa mais, meu filho? - Senhor, uma última pergunta: morri porque cumpri a minha missão? - Não, Salomão! - Não? Desculpa, mas como não, senhor? - Morreste porque com as lições passaste a compreender a vida e não havia mais o que evoluir no plano terrestre. - E isso significa? - Significa que aqui será a sua nova casa definitiva. Ao meu lado. Seja bem-vindo ao céu, Salomão!
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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