Assim que li a notícia disse a mim mesma que se estivesse na cidade do Rio de Janeiro adotaria um desses pastores alemães, pois não iria resistir a tamanhas lindezas. Em seguida comecei a refletir sobre o anúncio da Guarda Municipal e senti muita tristeza ao pensar nas carinhas dos cachorros, que depois de tantos anos acostumados com seus parceiros policiais, iriam conviver com pessoas desconhecidas. A campanha “Adote um amigo da Guarda” já é um procedimento antigo, mas é a primeira vez que foi realizada através do Facebook. Desta vez, são cinco da raça pastor alemão e dois belgas-malinois que não mais interessam à corporação em razão da idade e portanto se encontram aposentados. Uma das cachorras, Kilt, tem sete anos e foi matriz de reprodução do canil da Guarda Municipal, que atualmente está com quarenta e um animais, dos quais trinta são pastores alemães com pedigree, dois labradores, sete pastores belga de malinois, um border collie e um golden retriever. O anúncio foi um sucesso e surgiram interessados de diversos pontos do país, mas segundo consta o processo seletivo é muito rigoroso, exigindo inclusive que o candidato conviva com o animal por um período nas dependências da instituição, para que se possa fazer uma verificação inicial do entendimento entre adotante e adotado. Esse procedimento é importante, mas não garante o que pode acontecer com o animal depois que ele se for, pois a partir de então estará sujeito aos contratempos da idade avançada, que muitas vezes ocasionam os tão desagradáveis abandonos. As pessoas não costumam refletir que um cão mais velho pode vir a apresentar problemas de saúde ou até emocionais, porque sofrerá o impacto da mudança de ambiente e estará longe de seus companheiros. A corporação afirma também que monitora os bichos que forem adotados, resgatando-os em caso de situação inadequada e inclusive é formalizado um termo de responsabilidade onde é proibida a procriação, salvo com autorização dos veterinários responsáveis. Penso que a solução ideal seria que todos os animais fossem esterilizados, pois o ser humano é muito relapso em relação a isso, mesmo não havendo nenhum custo, como no caso em questão. Não se pode também garantir que o verdadeiro intuito do adotante não seja angariar lucro a partir do cruzamento desses cães, tão versáteis, famosos e saudáveis. Quem pode ter certeza disso? O ser humano é capaz de absurdos para conseguir dinheiro e os bichos não poderão dar seu testemunho, pois são incapazes de falar! A bem da verdade, acredito que estes cães deveriam permanecer na corporação, onde nasceram e viveram por todos esses anos. Alguém poderia pensar que é natural a Guarda Municipal simplesmente querer se desfazer deles a partir do instante em que não mais servem à instituição, por questões óbvias. Mas, pergunto eu: - O que de tão evidente existe que impede sua permanência nas dependências do grupamento a que sempre estiveram ligados? Não acredito que essa campanha de adoção seja o melhor caminho, pois em nenhum momento esteve em pauta o lado emocional desses animais, que são seres sencientes e tem capacidade de sentir dor, prazer, tristeza, amor e saudade. Se eles foram tão importantes por seu olfato aguçado para farejar minas terrestres, drogas ou pessoas sob escombros, se ainda em alguma captura de meliantes conseguiram localizar com precisão a direção e a origem de algum som em seis centésimos de segundo e trabalharam por anos a fio como parceiros dos policiais em prol da comunidade, por que a Guarda Municipal não os mantêm, de forma decente, sob os olhares e atenção dos veterinários, com toda a estrutura necessária a uma vida digna? Eles não têm direito a FGTS ou qualquer valor em dinheiro nessa nova vida de aposentados, somente continuarão a ter um lugar para dormir, a receber seu alimento, água e os cuidados mínimos para sobreviverem até o final de seus dias, o que com certeza não trará redução significativa do erário municipal. O treinamento intensivo a que são submetidos esses cães durante toda uma existência de submissão à Guarda Municipal deveria fazê-los merecer, no mínimo o direito de estarem em companhia de seus parceiros ou de pessoas com quem já estão acostumados, pois isso amenizaria quaisquer pontos negativos de seus respectivos futuros. Não estamos isentos de cometer erros, porque não somos perfeitos, por isso sempre é interessante rever determinadas atitudes e procedimentos a fim de que possamos traçar nossos caminhos da melhor forma. Será que a Guarda Municipal não poderia, a partir de então, ser um exemplo de respeito com os animais de seu canil? Tantos políticos desviam dinheiro e se locupletam, como nunca se viu ao longo da história desse país e o ressarcimento aos cofres públicos acaba caindo no esquecimento. É tão oneroso assim ter maiores cuidados com estes seres tão fiéis, que alegremente manifestam sua dignidade, solidariedade e amor incondicional? Está na hora do ser humano se tornar literalmente mais humano e deixar de lado decisões tão racionais. Pensar com o coração pode trazer melhores resultados para todos nós.
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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