| Arquivo | | | | Motojada - cartaz do evento suspenso. |
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Foi suspensa pelo Ministério Público do Ceará a realização do evento conhecido como Motojada, que iria acontecer na data de 29 de julho do corrente ano, na cidade de Pacoti, após representação movida pela União Internacional Protetora dos Animais do Ceará (UIPA-CE), através de sua presidente, Geuza Leitão. É uma nova modalidade de vaquejada, onde o boi ou bezerro é estimulado a correr para dentro de um cercado, atormentado por um peão que segue em seu encalço montado numa motocicleta, com o objetivo de derrubar o animal na linha demarcada da pista, ao ser puxado abruptamente pelo rabo. Segundo a Profa. Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada, Catedrática de Neuroanatomia Animal da Universidade de São Paulo “não ocorre apenas a sensação de dor orgânica, como também o sofrimento mental, emocional, porque os animais se sentem ameaçados e perseguidos.” Em um parecer técnico a respeito destas atividades ela disse categoricamente: “Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma sequência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Neste gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência, existe a ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. Como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além da dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental.” Organizadores da Motojada disseram que não havia nenhuma agressão aos animais, pois “É só um motoqueiro em uma moto contra o boi. O público, inclusive, vibra quando o motoqueiro cai.” O promotor de Justiça pela comarca de Pacoti, André Barreira Rodrigues, manifestou-se contra e alegou que esta vaquejada motorizada constitui-se em “induvidosa” atividade de risco tanto para a integridade dos seres humanos como para a dos animais. No caso destes últimos, que sempre serão vítimas de impactantes surpresas desagradáveis, são tidas como certas as ocorrências de lesões, fraturas de patas, costelas ou coluna vertebral, e danos aos seus órgãos funcionais internos, acrescidas da dor, de todo o nervosismo e medo por tão degradante submissão. Fiz um comentário, semana passada, sobre essa proibição com alguns amigos e um disse que estas atividades são culturais e que dificilmente alguém conseguiria acabar com elas. Não sei se sou muito otimista, mas vejo as coisas por outro ângulo e tenho fé que qualquer dia elas sejam uma mera lembrança dos tempos em que o ser humano ainda escravizava os animais. Pode ser que demorem décadas, mas isso não vai diminuir meu entusiasmo e nem o dos milhões de protetores que são ativistas em prol das causas animais. Em momento algum vai haver desistência ou desânimo de nossa parte para continuar lutando contra essas atrocidades. Na Roma Antiga era natural que gladiadores fossem colocados diante de leões ou se engalfinhassem até a morte nas arenas como parte da política do “pão e circo”, instituída pelos governantes para amenizar os problemas sociais dos habitantes das províncias e da própria Roma. Aconteceu durante muitos anos, a ponto de não se imaginar que algum dia pudesse ter fim. Na Idade Média a Igreja Católica oficializou a Inquisição e passou a proferir condenações e sentenças de morte aos seus desafetos, das mais variadas e horrendas, durante um período de aproximadamente 300 anos, em inúmeros lugares do planeta. Também essas perversidades não só terminaram, como tempos depois foram consideradas pela própria Igreja “um capítulo doloroso do qual os católicos devem se arrepender.” Galileu Galilei e Nicolau Copérnico que contrariaram a Igreja ao afirmar que a Terra não era o centro do Universo, bem como Charles Darwin com sua teoria da Evolução, em que o homem é um distante descendente do macaco e não de Adão e Eva foram reabilitados. Admitiu o papa João Paulo II que os hereges estavam certos, publicando em 1998 a encíclica Fides et Ratio, numa conciliação entre a fé e a razão. Os costumes mudam, as legislações são alteradas, os povos evoluem e a sensibilidade passa a tocar os corações dos seres humanos em relação ao seu semelhante, bem como aos demais seres vivos. As verdades que antes entendíamos como certas e imutáveis, não mais podem ser as mesmas com o advento da tecnologia e do avanço científico, uma vez que novos dados requerem novas conclusões. Recentemente, um grupo de 13 especialistas da área da Neurociência publicou um manifesto formal, com a divulgação dos resultados de suas pesquisas que concluem a existência de semelhanças básicas entre os sinais cerebrais do homem e de animais como polvos, elefantes, macacos, pássaros, cães e gatos, demonstrando portanto que eles também possuem consciência do mesmo modo que os seres humanos. Disse o neurocientista Philip Low que diferentes rumos serão tomados pela sociedade com o conhecimento de que os animais também têm inteligência, possuem capacidade de agir intencionalmente, bem como apresentam estados mentais e sentimentos. Daqui certo tempo haverá mudanças quanto a sua utilização na pesquisa médica, nos hábitos alimentares e demais atividades de entretenimento ou exploração a que são submetidos, pois os dados são perturbadores e nos fazem refletir sobre a questão ética de como lidar com tanto sofrimento e tanta escravidão de que são vítimas. A visão acertada da presidente da UIPA-CE, Geuza Leitão e o sábio entendimento por parte do promotor de Justiça pela comarca de Pacoti, André Barreira Rodrigues demonstram o quanto se pode fazer em benefício do mundo do qual somos componentes. É importante buscar um caminho de equilíbrio e harmonia, não só para nós como para os demais com quem convivemos, sejam eles racionais ou irracionais, porque o sofrimento e a dor não são agradáveis a nenhum ser vivo. Todos querem ser felizes e esta é a hora de propagar a compaixão e o respeito!
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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