| Evely Reyes | | | | Duque. |
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Fui amarrado a um pequeno tronco de um mirrado arbusto num campo de futebol. Não existia nenhuma sombra, pois as folhas eram muito pequenas e o sol causticante invadia a área por completo. O que teria acontecido para eu estar ali desse jeito? Meses antes eu ficava deitado bem à frente de casa, com o portão de alumínio sempre aberto. Gostava de permanecer ao lado do meu dono; o período da manhã e os finais de tarde eram os melhores. Para dizer a verdade, há muito tempo que minha situação não estava boa. Infestado de carrapatos, vivia sendo enxotado pelos vizinhos de um lado para o outro na calçada. Até sofri alguns empurrões e maus-tratos, mas como já estou meio velho e meu dono estava com seus 95 anos de idade, dificilmente tinha alguma defesa a meu favor contra os chutes e as pedradas. Minha memória também está comprometida e não sei ao certo se conto 16 ou 18 anos de idade, mas lembro com certeza que cheguei bem novo naquela casa. Quando eu era jovem eles gostavam de mim. Diziam que eu parecia uma pessoa, de tão inteligente e que era bonito, apesar de ser vira-lata. Eu, muito agradecido estava sempre atento a defender e cuidar de todos naquele trecho correspondente a casa em que morava. O tempo passou e eu envelheci. Estou surdo de um lado, com infecção nos ouvidos, com catarata no olho esquerdo, bem magro e um pouco dolorido da pancada que sofri quando aquele carro bateu em mim há umas três semanas. Não lembro com precisão qual foi esse dia em que quase morri atropelado, mas recordo que logo depois fui colocado para fora sem mais nem menos. A partir de então estava proibido de ficar com meu dono à frente da casa. Era uma alegria que havia acabado! O vizinho implicou comigo alegando que eu estava trazendo carrapatos e disse lá em casa que se não sumissem comigo ele iria dar outro jeito! Essa ameaça deve ter sido a gota d’água para que eu fosse amarrado no campo de futebol e nunca mais perturbasse os outros. Não entendo como isso ocorreu! Só porque estou velho, feio, magro e doente fui jogado fora? Justamente agora que mais preciso de cuidados e de carinho? Será que não sabem que eu sinto dor, frio, fome, sede e tristeza? Felizmente sou uma criatura abençoada e depois de um dia que fiquei amarrado naquele calor ardido do campo de futebol, apareceu uma pessoa que improvisou um abrigo e começou a me alimentar. Acompanhada da mulher que me amarrou, essa pessoa bondosa conseguiu chegar onde eu me encontrava. Dizem que os homens são menos sensíveis, mas a filha do meu dono foi quem me levou e me prendeu com uma pequena corda. Duas vezes ao dia essa protetora de animais que eu não conhecia arrumava a cobertura do meu abrigo e trazia comida, água e forrava com papelões o espaço que eu deitava. Encontrava-me tão fraco que mal conseguia ficar em pé, mas sempre abanava o rabo ao ouvir meu nome. O melhor de tudo foi ela ter passado um remédio no meu corpo que me livrou de todos aqueles carrapatos. Ah! Isso sim foi fantástico, porque eu não tinha mais nem forças para reagir e a coceira estava insuportável. Depois de alguns dias numa certa madrugada choveu forte por várias horas e eu fiquei completamente encharcado. Passado um tempo, aquela pessoa veio ao meu encontro e tão logo disse meu nome, carregou-me para dentro de um carro e levou-me dali. Passei a morar numa garagem bem fresquinha, que me protege do sol e da chuva e até engordei uns quilos. Já consigo caminhar um pouco e vou três vezes ao dia fazer meu pequeno percurso de recuperação. Ainda tenho uma infecção que está sendo tratada, mas meu estado geral é sensivelmente melhor do que há três semanas. Os meninos que eram meus vizinhos ficaram boquiabertos ao me virem sendo transportado para o carro porque acreditavam que eu estava morto, tão grave era minha situação. Um deles até comentou que era muito feio jogar os bichos fora desse jeito. Pois é! Alguns seres humanos dão péssimos exemplos e têm comportamentos reprováveis! Esquecem que tudo tem retorno nessa vida, pois as Leis do Universo são rígidas e toda ação tem sua reação proporcional ao ato praticado. Não tenho raiva do meu dono e nem da filha dele, mas espero que eles nunca mais adotem animais como foi sugerido pela protetora que me acolheu, pois não sabem cuidar e nem têm responsabilidade para isso. Se você leu até aqui, entendeu um pouco do que sofri. Compartilhe essa história e mostre às pessoas que também é contra o abandono de animais! Uma palavra aqui, outra ali torna o trabalho de formiguinha não só eficiente como eficaz! Não fique calado, pois quem cala consente!
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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