Evely Reyes | |
Existem pessoas que não são muito afeiçoadas a gatos. Inúmeras são as justificativas: que eles não são amorosos, que são interesseiros, que só gostam da casa em que moram e por aí afora. Outro dia, numa reunião de amigos alguém disse ter presenciado, na época de garoto, um gato abocanhando um pássaro que havia caçado e a partir de então passou a considerar este felino um ser abominável, pois constatou a forma traiçoeira e fatal com que agiu em relação a vítima. Isso deve ter sido um trauma de infância e concordo que vivenciar uma cena dessas deve abalar uma criança com sensibilidade e transformar o felino num grande vilão. Curiosa a respeito, fiquei sabendo que o gato doméstico não faz parte do nosso ecossistema natural, porque foi trazido para o convívio humano milhares de anos atrás e introduzido em regiões onde ele sequer existia na sua forma selvagem, como no caso das Américas. Segundo os especialistas e estudos já realizados, os gatos atuais descendem de um felino selvagem africano chamado Felix lybica. A domesticação praticamente ocorreu há cerca de 6000 anos pelos egípcios e através da expansão do comércio de cereais, mediante transporte de navios, os gatos foram sendo levados a outros locais: Grécia, há 2500 anos e demais portos do Império Romano pouco depois, América há 500 anos e em seguida a Austrália. Recentemente foram feitas muitas pesquisas a respeito dos hábitos alimentares de gatos domésticos que saem de casa e os cientistas descobriram que o número e tipo de animais mortos por eles têm uma imensa variedade de acordo com cada indivíduo, com a disponibilidade da presa e com o período da ocorrência. Alguns mataram aves em maior quantidade e outros mamíferos, de acordo com o rumo que decidiram tomar. Uma sociedade de proteção às aves, no Reino Unido, fez um manual no ano de 2010 para que os donos dos felinos colaborassem na diminuição do instinto de caça dos gatos. Sugeriu que os animais usassem sininhos em suas coleiras, que fossem soltos nas ruas para passear bem após o amanhecer, a fim de que não perturbassem o horário de alimentação das aves, que estivessem sempre bem nutridos e que os alimentos das aves nunca fossem jogados ao chão, pois permitiriam investidas dos predadores. Esse lado negativo faz parte de sua natureza, mas sem dúvida não é tão horripilante se confrontado com as atitudes do ser humano, que extermina seus pares por ambição, paixão ou mera maldade. No tempo em que morei em Ubatuba e fazia parte da APAUBA - Associação Protetora dos Animais, passei a conviver com inúmeros gatos e foi então que deixei de ter somente cães em minha casa. Acabei por levar alguns da Feirinha de Adoção para o sítio em que morava, dando-lhes um novo lar. Afeiçoei-me a eles e aprendi que são bichos com personalidade independente, mas muito carinhosos. Têm seu próprio estilo, mas sempre se adequam à rotina da casa em que vivem. Aqui em Fortaleza fui adotada por um gato mestiço de siamês, a quem dei o nome de Garoto, que passou a me acompanhar nas caminhadas que fazia nos finais de tarde. Após ter sido colocado para dentro de casa e ser mais um integrante da família, fazia questão de passear comigo e chamava a atenção de todos porque me seguia durante o percurso, até o momento em que cansava e ficava parado, aguardando eu dar a volta toda na Praça. Tive necessidade de mudar de residência e felizmente ele não teve nenhum problema no novo endereço e entrou no ritmo que passei a seguir em função dos outros bichos que vieram residir na casa, e que estavam temporariamente em outro lugar em razão da mudança. Existem histórias de que os gatos não gostam das pessoas e somente tem carinho pela casa, mas o Garoto, para minha felicidade, é um exemplo vivo que contaria essa tese. Alguns meses depois, também caminhando num final de tarde nas proximidades da casa atual, observei o momento em que um gavião estava prestes a dar o bote num minúsculo gatinho, que muito esperto alertou-me com seu imenso grito de felino. Ele era muito pequeno e não deveria contar com mais de doze dias, mas conseguiu por instinto perceber a intenção de seu predador, que diante de minha presença afastou-se desapontado com a perda de sua caça. Senti que era meu dever adotar este infeliz desamparado que mal conseguia enxergar e que a partir de então passou a ser chamado de Vittório. Para meu contentamento, já passados uns 30 dias de convívio, Garoto e Vittório encontram-se em total harmonia e dividem os mesmos espaços. O mais velho já foi esterilizado e o mais jovem, apesar da forte personalidade ainda necessita de mais alguns meses para submeter-se a esta cirurgia. Tenho cachorros que gostam deles, mas tenho outros que não os suportam. Como na sociedade dos humanos, a coexistência é necessária e toda cautela é pouca para que não haja confronto. Neste caso devo administrar a história de cada indivíduo, para que um não faça ao outro aquilo que não quer para si. Algumas divisões e telas são fundamentais e o trabalho acaba sendo dobrado, mas a gratidão estampada nos olhos de Vittório e de Garoto não necessita de palavras e vale qualquer contratempo!
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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