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Contos
22/07/2011 - 15h33
Será ela?
Rosimeire Soares
 

O silêncio foi quebrado. O telefone toca. Ele se vira para a janela e ainda pode observar as luzes acesas no apartamento do vizinho de andar. O barulho é incessante. O coração bate mais acelerado. Mais acelerado. Parece que está na garganta. Ele tem certeza de que se alguém o visse nesse instante poderia ver tecido do jeans da jaqueta pular do lado esquerdo.

Será ela? Claro que é ela! Quem ligaria para ele às três horas da manhã? Ela possivelmente supôs que ele perdera o sono e queria consolá-lo. Num ímpeto, quer atender e ouvir a voz dela. Voz sempre rouca, mansa, suave, sensual. Ela, possivelmente, diria a ele que foi tudo um grande engano, que está tudo bem. Não, ela só está curiosa (com pesar, talvez) para saber como ele está, afinal, foram tantos planos...

O telefone fixo insiste em tocar. A cada ruído do aparelho, o som parece mais alto. O prédio está todo ouvindo, por isso precisa atender e acabar com tudo isso. Mas e se ela só quiser saber como ele está. Ele está mal, muito mal! Se pudesse apagar essa última tarde de sua vida. Ele ficaria pior se ouvisse a voz dela a confirmar o que seus olhos viram, o que já sabia.

Ouve uma buzina lá fora, som de pneu em aderência ao asfalto. A derrapada antecedida de uma buzinada surgiu no pequeno segundo entre um toque e outro do telefone. É um sinal, ele precisa atender. Mas e se ela quiser ignorar tudo, continuar como sempre foi. Ela não faria isso. Ele não poderia aceitar, todavia seu coração estava desejoso por isso.

Não poderia viver intensamente os cachos das madeixas dela. Os cabelos cacheados em harmonia com dois olhos tão pretos. E aqueles lábios...

Com aqueles lábios, ela fez com que ele a amasse. Com aqueles lábios ela disse a ele que não é nada da forma que ele viu. Como não? Ele viu, ninguém lhe falou. Ouviu quando ela declarou amor ao outro. Ele fizera tantos planos, mas o coração dela fora arrebatado por outro homem. Isso era forte demais. Sua dignidade, seu orgulho masculino foram feridos. Talvez ela se arrependera. Meu Deus! Precisa atender. Não. Não pode atender.

O telefone toca e parece lhe dar uma última chance. É melhor ouvir o que ela tem a dizer. Ele não tem tempo de pensar. Atende.

O instante em que segura o aparelho, na altura do peito e decide bruscamente apertar a pequena tecla com a figura verde é também o instante contemplado do outro lado para que o indivíduo desistisse da chamada.

Ouve, então, apenas o som ininterrupto da operadora telefônica, anunciando que a linha está desocupada. Paira o silêncio. A lágrima acuada, na orla dos olhos, agora não encontra mais barreira e desce a face como uma enorme e constante cachoeira.

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