O velório já estava no final e os preparativos para o ritual de sepultamento do Seu Zezé eram organizados. Foi quando começou a discussão da família, em uma sala da casa mortuária, em torno da foto que deveria ser usada no jazigo do Seu Zezé, depois que uma das suas seis filhas, sozinha, havia escolhido uma foto do carnaval de 82, com o pai e um grupo de amigos vestidos como índios, de uma aldeia intitulada “Mim querer comer humano. Quer dizer, humana...” - Ele está tão feliz nesta foto. É só cortar o resto! -, tentou argumentar a filha sobre a sua escolha. - Nem pensar! O meu pai não vai virar atração em cemitério por causa de uma foto! -, reagiu a caçula. - Seu pai já era uma atração em vida! Há! Há! Há! -, disse um genro do Seu Zezé, se referindo a um dos últimos episódios de vida do sogro, que foi pego assistindo a um filme pornô. - Tem que ser uma foto mais séria! Essa é ridícula! -, decretou Judith, a filha mais velha. Ecoaram vários “concordo” pela casa mortuária. E, sugiram várias sugestões de foto: - Pega aquela do aniversário do Romeu... - Ou da casa de campo... - Da praia no verão... Novamente, a filha que havia escolhido a foto do carnaval, entrou na discussão: - Por que não pode ser do carnaval? Ele sempre falou que viveu uma vida feliz e essa foto representa isso! E o genro, de novo, complementou a linha de pensamento: - Se viver feliz se resume a trago, mulher e futebol... Tu tens razão! Foram mais quinze minutos de discussão sobre qual foto deveria ser colocada no jazigo. Até surgiu a idéia inovadora de um sobrinho: fazer a caricatura do falecido. - Desenhar morto dá azar! -, explicou os motivos porque não faria o desenho. No entanto, a bem da verdade, estava era com preguiça mesmo. Foi então que, foi feita a sugestão por uma afilhada do Seu Zezé: - Já que está essa polêmica da foto, pergunto: por que a gente não deixa sem foto? Só coloca escrito “Zezé, marido da Joaquina Duarte”, hein? Seria muito pouco para identificar o Seu Zezé. Teria que colocar ex-presidente do clube de futebol do bairro, ex-vereador, ex-patrão de CTG, torcedor símbolo do Internacional etc. etc. etc. Novamente, o genro completou a lista: - E assíduo freqüentador da Boate da Lurdes! Dessa vez, mesmo em tom irônico, todos que estavam na sala tiveram que concordar. A discussão voltou para que foto utilizar no jazigo do Seu Zezé. Depois de muito bate-boca, uma foto oficial do último dia do cumprimento do seu mandato como vereador foi a escolhida, dentro de um processo de votação. Uma foto com a postura séria do Seu Zezé. Entregue a foto para os agentes funerários, que rapidamente providenciaram tudo, o sepultamento caminhava para o seu fim, foi quando chegou um velho amigo do Seu Zezé para se despedir. Depois de alguns minutos de consternação ao lado do corpo, o Titônio, fotógrafo de profissão, pediu a palavra aos presentes, pois tinha uma revelação a fazer sobre um último pedido do morto. - O meu velho amigo Zezé, certa feita, procurou-me para fazer um pedido... Silêncio na casa mortuária. Titônio seguiu falando sem ser interrompido: - Que quando morresse... E eu ainda reiterei que não seria breve, mas, infelizmente, errei na minha previsão... Pediu o meu velho amigo que uma foto em especial fosse usada no seu jazigo para identificá-lo para aqueles que fossem lhe prestar homenagem após a sua partida... Foi uma troca de olhares dentro da casa mortuária depois da fala do Titônio, pois sem saber da confusão envolvendo a foto, ele aparece para dar uma luz sobre o assunto. Um enviado do céu se chegou a comentar. O genro não perdendo a oportunidade, questionou: - Depois de tudo, será que o Seu Zezé foi para o céu? Acalmado o burburinho que se formou com as palavras do Titônio, uma das filhas resolveu lhe perguntar: - E qual seria a foto, Titônio! Silêncio. E, depois de um momento de reflexão, sem titubear, Titônio lascou: - A famosa foto do carnaval de 82! Um marco em sua vida, segundo me confidenciou... Uma foto que eu mesmo tirei! A filha mais nova só teve a reação de dizer - Eu não falei! E tirou a foto do bolso. Os demais, como era uma vontade do falecido, acataram a decisão. Durante o sepultamento, um amigo comum entre Seu Zezé e Titônio, conhecedor das proezas e travessuras da dupla, aproximou-se e cochichou-lhe ao ouvido: - O Zezé odiava essa foto do carnaval, Titônio... - Eu sei! -, respondeu Titônio. - Então, por que essa foto? - Perguntou o amigo. Titônio olhou para os lados e como não havia ninguém observando, revelou o motivo: - Eu não me esqueci do que ele me aprontou lá no Bar do Chico... Não é porque ele está morto que eu vou deixar de dar o troco e sacaneá-lo, né? E largou uma gargalhada...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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