Jeferson era repórter de um grande jornal na capital. Apesar de bons anos na profissão, não era considerado uma “das estrelas” do quadro de jornalistas da empresa. Fato que creditava à falta de oportunidades de mostrar a totalidade do seu talento. O sonho de exercer a atividade nasceu quando era pré-adolescente ao ver os profissionais da área trabalhando em um estádio de futebol. Trabalhava na editoria de assuntos voltados ao campo e a agricultura, e, simplesmente, odiava. Mas, como tinha que trabalhar, agüentava as pontas. Almejava quando pegou o diploma da faculdade aplicar o conhecimento adquirido no segmento de esportes ou cultura, inclusive ocupando cargos de chefia e direção. Porém, a vida o levou para outros lados e a carregar um pesado fardo de frustração. Chegou à redação do jornal no início da tarde daquela terça-feira, como fazia periodicamente, e foi logo recebendo a missão do dia. Teria que viajar até o interior do Estado para fazer uma reportagem sobre uma nova sistemática utilizadas pelos agricultores da região na plantação de alfaces. Chegou a abrir a boca para reclamar do assunto, no entanto, como estavam pairando no ar informações sobre possíveis demissões, acatou a ordem, pensando nas 36 prestações do financiamento do carro que faltavam serem pagas. Embarcou no carro juntamente com o fotógrafo e o motorista. Depois de mais de duas horas e meia de viagem, na maior parte do tempo por estradas de chão batido, mas compensadas por belas paisagens, o carro estragou quando subia um morro. Por sorte, o veículo parou em frente à fazenda mais próxima daquela redondeza. O trio não teve dúvida em pedir ajuda. Na casa, sentado em volta do fogão a lenha, tomando um chimarrão, estavam o “Seu Juba”, como era conhecido por causa do volumoso cabelo branco, e a sua esposa, “Dona Délia”, que mexia nas panelas fazendo um doce de abóbora. Ainda na residência morava o caçula, chamado Leonel, que colocava comida para as galinhas e os porcos, e era o único entre oito filhos que ainda morava no campo. Os demais migraram para a cidade, mesmo contra a vontade dos pais, mas faziam questão de aparecerem em quase todos os finais de semana. Apesar dos latidos furiosos dos cachorros, a equipe de reportagem foi calorosamente recebida pela família do Seu Juba. Depois de alguns minutos, feitos os cumprimentos e explicados os problemas enfrentados, o motorista saiu com Leonel até um galpão, no intuito de pegarem as ferramentas para consertarem o carro. O fotógrafo foi tirar fotos do lugar. E Jeferson e Seu Juba começaram uma transformadora conversa, sentados em velhas cadeiras. - É bom morar aqui, Seu Juba? - O melhor lugar do mundo, meu filho! Um paraíso! Tenho muito mais do que preciso aqui... - Eu não sei se agüentaria morar nessa calmaria. Sou acostumado com a correria da cidade grande... - Não sabes o que estás perdendo! - Pois é... Pode ser... Nunca pensou em se mudar da fazenda? - Nunca pensei em ter uma fazenda, meu filho! Quanto mais em me mudar... - Como assim? E isso tudo? Não é seu, Seu Juba? - Nunca tive a ambição de nada, meu filho! Com muito trabalho, as coisas foram acontecendo ao seu tempo... Sem pressa... Tenho uma família linda e fui muito mais longe do que poderia imaginar! Isso me faz um homem feliz a cada manhã! - Deve ser bom se sentir assim... - Ué! O amigo não é feliz? - Não é isso, Seu Juba... É que... - Pela tua cara, já entendi... Mais um... - Opa! Agora, eu que não entendi, Seu Juba. Mais um o quê? - Mais um... Mais um... - Mais um o quê? - Deixa assim... - Agora eu quero saber, fala! - Já que quer saber, então, vou te falar, rapaz: tu deves ser mais um desses que esperam demais da vida... Possuem a ambição lá nas alturas... E como diz o ditado: quanto maior a altura, maior o tombo! Daí se não alcançam o que querem, caem em frustração e vivem nesses médicos de cabeça aí! Jeferson surpreende-se com as palavras do homem simples do campo. Encaixam-se perfeitamente com a sua história de vida. Lembrou-se das sessões mensais com o analista no divã e da decepção profissional que carregava nos ombros. Ficou em silêncio, pensativo. Seu Juba complementou... - Aprendi com a minha falecida mãe que querer demais gera a angústia. Por isso, vivo um dia após outro, não esperando nada da vida, sendo surpreendido todos os dias por ela e sempre agradecendo a Deus... A curiosidade aflorou em Jeferson, que quis saber mais daquele senhor de cabelos brancos. - Então, Seu Juba, conte-me a sua história e filosofia de vida... - Bom, meu Filho! Eu nasci... Foram quase duas horas de uma longa conversa, enquanto o motorista e Leonel arrumavam o carro e o fotógrafo, entre uma foto e outra, provava os doces feitos pela Dona Délia. O sol ensaiava se esconder quando a equipe de reportagem deixou a fazenda. De lá, Jeferson avisou a redação do jornal e foi direto para casa. Inquieto com a história contada por Seu Juba, resolveu escrevê-la, apesar de não ver valor jornalístico no material. Passou parte da madrugada redigindo o texto e refletindo sobre as palavras ouvidas durante a conversa. No dia seguinte, na redação do jornal, contou os ocorridos do dia anterior e mostrou despretensiosamente a história escrita sobre o Seu Juba para o seu chefe e alguns colegas, com o intuito de não precisar repetir a mesma várias vezes ao longo do dia. Cumpriu normalmente o expediente de trabalho e, posteriormente, foi para uma happy-hour seguida de uma festa com os amigos, já que estava de folga no outro dia. Ao acordar, na manhã seguinte, próximo ao meio-dia, em meio aos efeitos de uma ressaca e comendo uma maça e tomando um copo de refrigerante, foi se atualizar das notícias. Ao pegar a edição do jornal do dia veio a surpresa: a foto de capa estampava o Seu Juba com a sua velha cuia de chimarrão na mão. Atordoado, não acreditando no que acabara de ver, abriu as páginas da reportagem e lá estava o seu texto contando a história do homem do campo. Em meio à emoção, chorou baixinho pela conquista. Era a primeira vez que o seu trabalho ganhava tanto destaque. Os cumprimentos pela reportagem duraram alguns dias. A promoção não demorou muito a sair, e, amanhã, Jeferson participa de uma cerimônia, onde ganhará um prêmio jornalístico nacional pela história do Seu Juba.
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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