Os bastidores de um encontro
Conheci pessoalmente o escritor Moacyr Scliar no ano de 2006. À época, eu era presidente da Associação de Literatura de Charqueadas e o traríamos ao município para realizar uma palestra durante as atividades do Sarau Literário daquele ano. Como ocupante do cargo, coube-me acompanhar o carro que buscaria o escritor na capital para fazer-lhe as honras da casa. Antes da curta viagem, liguei para o meu amigo João Soares para contar-lhe sobre a realização do evento, bem como do futuro encontro com o Scliar. Lembro até hoje das palavras do “Joãozinho”: “cola nele e ’chupa’ todo o conhecimento que conseguires dele. O Scliar é uma pessoa sensacional!”. Depois descobri que o João tinha toda a razão. Nervosismo à parte, o primeiro contato com o escritor aconteceu na entrada do seu prédio, em Porto Alegre. Com um sorriso no rosto, ao ver-me gritou “fala, mestre” e cumprimentou-me com sua singular simpatia. A partir daí, comecei o que posso classificar como uma verdadeira “guerra”, pois iniciei um bombardeio de questões sobre todos os assuntos até retornarmos para Charqueadas. Durante o trajeto de volta descobri porque o escritor era admirado não só por sua obra, mas, também, como ser humano. Com simplicidade, paciência e bom humor, Scliar ia sanando todas as minhas dúvidas e orientando-me como um bom professor. Um dos ensinamentos carrego vivo até hoje: a valorização dos leitores. Parece óbvio isso para quem escreve. Porém, não é. Tratar cada leitor como um ser único e mostrar-lhe gratidão por ele “gastar” seu tempo lendo os textos deve ser algo sempre que possível demonstrado. É o que eu tento fazer quando há qualquer tipo de manifestação nesse sentido. Logicamente, sou mais um dos admiradores do trabalho do Moacyr Scliar. Possuo vários livros do autor, mas tenho um apreço pela obra “O exército de um homem só”. A qualidade e a quantidade da sua produção literária são impressionantes. Dizia ele que escrevia uma coluna de jornal em 20 minutos. Sinceramente, não consigo imaginar como isso é possível, tendo como base que, às vezes, demoro horas para escrever meia dúzia de linhas. Voltando a palestra, em Charqueadas. Já durante o evento, nos sentamos ao lado um do outro. Com um Solar Shopping lotado, ele começou a falar e a encantar quem estava lá assistindo. Poucas vezes vi uma platéia prestar tanta atenção no que uma pessoa falava. Era um silêncio só. Depois de mais de uma hora de conversa, o Scliar agradeceu a presença de todos e me passou o microfone, questionando-me baixinho “E aí, o que achou?”. Embevecido com tudo e surpreendido pela pergunta em um tom de impressionante humildade, apenas tive a reação de convocar uma salva de palmas, o que foi realizada por todos em pé. Após atender os leitores, autografar vários livros e uma breve paradinha na praça de alimentação, era hora de fazer o caminho de volta para Porto Alegre. Foi o momento da vingança do Scliar contra mim. Com os papéis trocados, ele começou a me encher de perguntas. Fez isso, na maior parte do trajeto, com uma incomum curiosidade. Já na capital, com cordiais palavras escreveu uma dedicatória e deu-me um autógrafo. Despedimo-nos. Dois dias depois me enviou um e-mail comentando um dos meus textos que acabara de ler. Novamente, utilizando afetuosas e generosas palavras. Essa afabilidade era a marca de um homem interessado e maravilhado com o cotidiano de pessoas comuns, como eu. Foi uma experiência e um contato que durou pouco tempo, mas que deixará os rastros e os ensinamentos para o resto da vida. Obrigado por tudo e adeus, Scliar!
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
|