Jaguatirica está em extinção, Não deve ir para a Avenida, não! Suçuarana não tem que desfilar, Pois deve estar no seu verdadeiro lugar! O Lagarto não precisa sambar, Pois tem outras maneiras de se movimentar! Era uma vez uma escola de samba, fundada em 1973, que inspirou-se nos versos musicais de Martinho da Vila “Vai ter de amar a liberdade, só vai cantar em TOM MAIOR, vai ter a felicidade de ver um Brasil melhor..” Tendo como referência a liberdade, no ano de 1974 iniciou seu primeiro desfile na avenida, em meio a um Brasil conturbado e carente de muita garra para suportar toda a violência da ditadura. No decorrer de sua história a Escola Tom Maior sempre aglutinou pessoas de diferentes procedências na mais pura harmonia, inovando com a presença das mulheres na presidência e direção da escola, bem como da juventude, de forma ativa, como sambistas, compositores, passistas ou carnavalescos. Neste início de 2011 virou notícia nos sites de proteção animal, a partir do instante em que seu presidente Marko Antônio da Silva declarou estar com a intenção de levar uma jaguatirica, e talvez uma suçuarana ou um lagarto no desfile deste ano, como uma “brincadeira” em meio à mensagem de preservação que pretende passar para o público. Pretendem homenagear a cidade de São Bernardo do Campo e também levar ao desfile o ex-presidente Lula. Num segundo momento esclareceu aos repórteres que na verdade não pretende levar os bichos para a avenida e sim deixá-los na concentração, dentro de suas respectivas jaulas, para que sejam vistos antes do início do desfile, próximos à Comissão de Frente. Informou ainda, que não planeja solicitar autorização do IBAMA, apesar de saber de sua obrigatoriedade, pois não tem certeza de que o requerimento seja deferido. O advogado ambientalista Carlos Cipro considera essa exposição um “estresse injustificável”, alertando que sua ocorrência caracteriza infração à Lei de Crimes Ambientais, pelo abuso e maus-tratos, bem como uma violação à Lei Municipal que proíbe a referida apresentação. Veterinários e defensores de animais manifestam-se contra, alegando que a intensidade do estresse pode vir a causar a morte dos animais. O regulamento do carnaval é omisso em relação a ocorrências do gênero. Ano passado houve a exposição de três urubus na 29ª Bienal de São Paulo, como parte da obra “Bandeira Branca”, do artista Nuno Ramos, sob intenso protesto de ativistas e ambientalistas em defesa dos animais. A repercussão negativa foi tamanha que logo em seguida os bichos foram devolvidos, sob ordem judicial, ao Parque dos Falcões (SE). A jaguatirica é o terceiro maior felino das Américas, chegando a alcançar 15 kg de peso e por volta de 40 cm de altura. É carnívora e muito hostil, sendo conhecida por suas destemidas investidas e agressividade. Pela beleza de seu pelo macio e dourado, com manchas escuras e pintas negras é constante alvo de caçadores “humanos”, sendo o homem seu maior predador. Nos Estados Unidos ela já foi extinta e no Brasil está na lista dos animais prestes ao desaparecimento. O outro animal cogitado para ser exposto ao estresse provavelmente fatídico da avenida num desfile de carnaval é a suçuarana, que pode chegar a 2,40 m de comprimento, 63 cm de altura e aproximadamente 100 kg de peso, e ocorre do Canadá ao extremo da América do Sul. Conhecida como puma ou onça parda, difere da jaguatirica que escolhe suas caças à noite, preferindo geralmente o entardecer. Sua pelagem é de cor bege rosa, podendo ser cinza, cor de ferrugem ou marrom. É um animal solitário e presume-se que tenha a capacidade de matar 15 carneiros selvagens numa só investida, mas não a coragem de enfrentar o homem, a quem raramente ataca, ou os cães, por verdadeiro pavor e de quem chega a fugir e escapar ao ser acuada, subindo em árvores. Lagartos, por sua vez, ocorrem em todos os continentes, com exceção da Antártida, e com tamanhos a partir de alguns centímetros, podendo chegar a 3 metros. Diferenciam-se de suas parentes mais próximas, as serpentes, em razão das quatro patas, ouvidos externos e pálpebras nos olhos. Alimentam-se de insetos transmissores de doenças, animais peçonhentos, folhas, ovos crus e coisas do gênero. Estes três animais são vertebrados e portanto tem um sistema nervoso central que lhes permite sentir dor, medo, prazer, alegria, estresse, e ainda ter memória e sentir saudades. Essa capacidade de ter sentimentos e emoções é conhecida por senciência animal e é objeto de estudo há muito tempo, sendo que pesquisas recentes (últimos cinco anos) tem demonstrado que a senciência não é um processo exclusivo dos seres humanos, como se pensava anteriormente. Há excelentes indícios e muitas evidências provando que quanto mais complexo é o sistema nervoso do animal vertebrado, mais avançadas serão as formas de senciência. Os bovinos, por exemplo sentem pavor ao se depararem com a morte e transmitem essas sensações negativas por meio de descargas de adrenalina e cortisol (hormônios do estresse) que permanecem na sua carne. Os cães sentem saudades e estresse ao se afastarem de seu dono por algum tempo e os animais selvagens experimentam também um enorme desgaste emocional quando retirados de seu habitat natural. No momento em que tomei conhecimento de que o desfile da Escola Tom Maior, deste carnaval de 2011 poderia levar para a avenida uma jaguatirica, uma suçuarana ou um lagarto, de início não acreditei que pudesse ser verdade, tamanho o absurdo, a falta de respeito com a natureza e sua fauna, bem como com a liberdade... ou a felicidade de ver um Brasil melhor... tão cantada nos versos musicais de Martinho! É meu desejo que a citada Escola faça um excelente desfile, que consiga obter as melhores notas nos quesitos levados em conta e que tenha um ótimo desempenho, mas que de forma alguma faça uso de quaisquer animais, pois neste caso, além de tudo já dito, estará também contrariando os anseios de respeito e dignidade que todo ser vivente merece ter e deve vivenciar como integrante deste planeta.
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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