Noite. No banheiro, Cássio tomava banho tranquilamente, cantarolando baixinho um sucesso popular, quando a esposa entrou para perguntar sobre a roupa. - Amor! - Oi... - Essa tua calça está suja? - Acho que sim... - Posso pegar? - Pra quê? - Pra lavar, óbvio... - Ah, tá! Claro... Pega aí! - Está cheio de papel nos bolsos... O que eu faço com eles? Nesse momento, ao lembrar-se do que tinha dentro do bolso, a água do chuveiro que era quente, pareceu de um cortante gelo ao cair sobre Cássio... - Hã... Hã... Oito horas e trinta e cinco minutos antes. Chovia. Na hora do almoço, no setor de informática da empresa onde Cássio trabalha, tocou o telefone. - Help-Desk, Cássio! - Cássio, é a Mirella, tudo bem? - Qual das Mirella: RH ou compras? - RH! - Oi, mulher! Não reconheci a tua voz. Está diferente... Tudo bem sim! E contigo? - Mais ou menos. Estou com uma dor de garganta, que vou te contar... - Putz! - Pois é! - Mas o que manda? - Já foi almoçar? - Estou indo... por quê? - Precisava de um favor... - Fala... - Não tem ninguém aqui e eu não quero sair nessa chuva, se não vou piorar. Tem como tu passar em algum lugar e inserir uns créditos no meu celular? Depois eu te pago... - Claro! Só tem um problema... - Qual? - Diz o número aí! É que eu esqueci o meu celular em casa... - Sempre com a cabeça na lua, hein? - Pior... - 99... - Espera! - O quê? - Não acho um papel para anotar... - Achou? - Não... “Ô Carol anota pra mim aí o número da Mirella, por gentileza. Estou sem papel de rascunho...” - Fala, Mirella! Não achei um papel, mas a estagiária aqui vai anotar... Canta! - 99... - 99... - 64... - 64... - 99 - 99 - 99 - 99... pronto? - Mais alguma coisa? - Não! Não! Era isso mesmo. Depois à tarde tenho que ir até aí e te dou o dinheiro... - Tranqüilo... Até mais! - Até mais e muito obrigado! Fico te devendo essa... - Que nada! Tchau, beijo! - Beijo! Cássio pegou o bilhete escrito pela estagiária, com as letras do nome da Mirella e os números do telefone rabiscados com a delicadeza e capricho que só uma mulher sabe fazer. O colocou no bolso da calça e de lá ele não saiu o resto do dia. Inclusive, ele se esqueceu de fazer o favor para a Mirella. De volta ao banheiro. - Hã... Deixa eu ver... pode colocar no lixo esses papeis... - Todos? - Sim... Silêncio. Cássio fechou os olhos, deixou a água cair sobre a sua cabeça, e esperou o grito da esposa perguntando o que era aquele bilhete e quem era Mirella. Silêncio. Mil possíveis desculpas passaram-lhe pelos pensamentos. Como explicar? Questionou-se. Um bilhete com nome e número de telefone de mulher. Como explicar que não era nada? Questionou-se novamente. Nunca que ela acreditaria na história dos créditos do celular. Silêncio. Segundos de apreensão... Foi quando ele escutou o barulho da esposa fechando a porta do banheiro... Cássio fechou o chuveiro e trancou a porta. Angustiado, “voou” na lixeira. Remexeu dentre os papeis e lá ainda estava o bilhete. Suspirou aliviado. Ufa!Foi por pouco, hein? Pensou. Recuperado do susto, ele pegou o bilhete, jogou-o na privada e puxou a descarga, dizendo para si mesmo: “como sou distraído, meu Deus!”
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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