Desde adolescente quando viajava ao Rio de Janeiro para pousar na casa de seus tios, seu sonho era morar em uma cobertura no Leblon de frente para o mar. Ela se lembrava com alegria daquela época de inocência e juventude, quando passava as férias de verão junto aos seus primos. Ela adorava o mar, a areia, o barulho das ondas e o sol. Voltava para São Paulo com a pele bronzeada, sempre mais bonita e radiante. Foi em Leblon que ela conheceu o sabor das primeiras paixões. Anos mais tarde, já mais velha e casada, sem filhos, raramente tomava banho de mar. Mal tinha tempo e disposição para tomar banho de sol na piscina de seu condomínio. O trabalho consumia quase todo o seu tempo e energia, restando pouco até para seu casamento que, recentemente, havia entrado em uma rotina cômoda e bem ajustada. Bem ajustada até demais. E naquela manhã de sábado ela acordou aflita - tivera um pesadelo terrível. Sonhou que estava em um cruzeiro com o marido, sentia-se feliz. Sem se lembrar muito bem como, despencou do navio direto para o mar. Era noite e ninguém, nem mesmo o seu marido, percebeu que ela havia caído. Desesperada, gritou sem que ninguém a ouvisse, permanecendo ali sozinha, apavorada e com frio, à deriva naquelas águas frias e negras do Atlântico. Observando o navio se distanciar cada vez mais, subitamente um polvo gigante emergiu, agarrando e arrastando-a para o fundo escuro do oceano. Lutando inutilmente para se desvencilhar das garras daquele monstro, sentiu o medo da escuridão crescer tomando conta de todo o seu ser. Foi quando acordou num susto, ofegante e quase sem ar. Ainda podia sentir aqueles tentáculos pegajosos envolvendo todo o seu corpo. Seu marido não estava mais na cama, já havia levantado. O medo permaneceu por mais alguns poucos minutos e foi lentamente desaparecendo e dando lugar a pensamentos melancólicos. Lembrou-se do mar, da praia, do sol do litoral. Lembrou-se de como adorava as férias de verão na praia. Fazia anos que não visitava os tios e primos no Rio. Depois de ter tomado um banho, mais relaxada, sentou-se à mesa para tomar café. Seu marido notando algo diferente em seu semblante, perguntou: "Bom dia. Que cara é essa amor, não dormiu bem?" "Não, tive um pesadelo terrível." "Pesadelo? Com o quê?" "Sonhei que era noite e estávamos em um cruzeiro no Atlântico. De repente, caí do navio sem que ninguém notasse, nem mesmo você, e fui arrastada para o fundo do mar por um polvo gigante." "Que pesadelo terrível. Nunca gostei muito do mar. Mas foi só um sonho querida, já passou." Disse isso e segurou sua mão beijando-a, num gesto de carinho. Foi quando ela percebeu pela primeira vez naqueles dois anos de casamento que não sentia mais amor por ele. Sentia amizade, respeito, até carinho, mas a paixão de outrora havia desaparecido completamente. Três meses depois, distanciando-se cada vez mais um do outro, consumidos pelo trabalho e pela rotina, o casamento terminou. Ela acreditava que aquele pesadelo fora uma espécie de marco que a fez despertar. Mas não foi o pesadelo em si que fez naufragar seu casamento, foi mais o seu antigo sonho - seu sonho de menina. O pesadelo só fez relembrar e renascer seu sonho, o de morar em uma cobertura ensolarada em frente a praia do Leblon. De alguma forma ela se sentia presa em seu casamento, afundando cada vez mais e cada vez mais distante de seu sonho. Nossos sonhos são como os pesadelos, surgem inesperadamente sem qualquer explicação racional mas sempre trazem algum significado oculto. Ela não sabia como e, mesmo parecendo tolice, estava disposta a renunciar e arriscar tudo para conseguir seu sonho. Talvez apenas quisesse que o tempo pudesse voltar, talvez sentisse falta da inocência e pureza das amizades e amores juvenis. Do calor do sol, da areia quente sob seus pés, da pele bronzeada e da brisa do mar. Das risadas e amigos, dos olhares e das paqueras. No fundo de sua alma, tudo o que ela queria era voltar a ser feliz. Verdadeiramente feliz.
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