No momento em que limpei sua casa e coloquei o pedaço de mamão na lateral da grade, continuei a analisar como ele estava desenvolvido e quanto seu rabo havia crescido. Meu querido Thraupis sayaca já não era tão indefeso e se transformara em outro ser, muito diferente daquele que havia caído do ninho há vinte dias. Agora tinha condições de enfrentar seu mundo e não era mais a criatura fraca que alimentei a cada duas horas, dia após dia. Com uma coragem que não sei onde encontrei, abri a porta de sua gaiola e naquele exato instante desejei que ele não quisesse sair dali. Doce e de curta duração foi minha ilusão, pois passados quinze minutos, meu ilustre herói tomou seu rumo, numa curva ascendente, em direção ao cajueiro do vizinho. Percebi que estava um tanto quanto perturbado com a liberdade adquirida, mas ao mesmo tempo muito feliz, pois a partir de então seria o único responsável pelo seu destino. Por alguns momentos, consegui visualizar com precisão em que galho ele estava, mas depois, mudou-se para outro e assim sucessivamente, até que o perdi de vista. Logo em seguida vi um sanhaço por perto e deduzi que fosse sua mãe, dando-lhe boas vindas, ou quem sabe seu pai. O que me deixou mais tranquila foi o fato de ele estar bem esperto e já saber voar. Ter sido alimentado por mim durante este período não o deixou submisso ou acomodado e sim mais inteligente. De início havia necessidade de que eu o pegasse dentro da gaiola para que pudesse ministrar sua alimentação com uma seringa, mas aos poucos, com a formação do rabo passou a voar com mais segurança, criando dificuldade para ser pego. Demonstrava que preferia receber seu alimento pela seringa, colocada próxima da gaiola, sem quaisquer intervenções manuais. Diante disso passei também a prender pedaços de frutas nas proximidades dos poleiros com o objetivo de incentivar sua autonomia. Mamão e sapoti eram seus prediletos. Nunca tive pássaros, mas sou apaixonada por eles e amo observá-los! Há alguns meses tive oportunidade de salvar dois filhotes de bem-te-vi que também caíram do ninho. Estes porém foram alimentados pelos próprios pais que a todo momento visitavam a gaiola em que os coloquei estrategicamente, em meio às folhagens próximas do local onde estavam sendo criados. Passados uns dezoito dias, já em condições de voar, soltei-os e fiquei tão emocionada com a história que até escrevi um conto, intitulado Pitangus sulphuratus. São todos muito lindos e é um privilégio poder estar em contato dessa forma com a natureza. Não conseguiria viver longe de bichos, pássaros ou de plantas pois tudo isso faz parte da minha existência, do meu dia a dia. Na manhã seguinte, coloquei alguns pedaços de mamão e vasilhas de água nas duas extremidades da casa que coincidem com as respectivas varandas. Estão exatamente posicionadas defronte dois imensos cajueiros, moradias de inúmeros bem-te-vis e sanhaços. Tenho certeza que ele virá para saborear uma de suas frutas prediletas.
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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