Sala de uma casa. Todas as luzes desligadas. Apenas a oscilante luminosidade emitida pela televisão iluminava o ambiente. Sentados lado a lado no sofá estavam dois irmãos. Um assistia ao programa eleitoral na TV. Seu nome é Washington. O outro somente escutava, pois é deficiente visual. Cego mesmo. Zero de visão. Chama-se Marcelo, mas é conhecido como Zen. Degustavam uma pipoca de micro-ondas. O pote com o milho estourado estava entre a dupla. É noite. O cachorro do vizinho latia lá fora e um vento frio soprava levantando as folhas caídas das árvores. Fora os candidatos proferirem numerosos compromissos se eleitos na televisão e o estalar da pipoca entre os dentes, o silêncio era total na sala há cerca de 20 minutos, foi quando Washington exclamou: - Muito bom, cara! - Muito bom, o quê?, questionou Marcelo. - As promessas desse candidato, Zen! Não escutaste? - Escutei, sim! - Direito a aposentadoria aos 45 anos, com um complemento do governo de R$ 500 se sair do mercado de trabalho... Boa, né? - Urún! - Essa de passar o salário mínimo para R$ 3 mil... Bah! Que sonho, cara! Já imaginou eu ganhando três paus por mês? Não tinha “guria” pobre! Há! Há! Há! - É... - A promessa de colocar um policial militar para cada cem cidadãos é muito boa também! Com essa insegurança de hoje em dia... Faz falta mesmo! - Pois é... - O velho Brizola deve estar se revirando no túmulo, mas acho que finalmente as escolas em turno integral que ele idealizava irão sair do papel... - Se vão... - Esse candidato tem cara que cumpre o que promete! - Oooh, se tem! - Esse compromisso de implantar um posto de saúde em cada esquina da cidade e um hospital para cada 200 mil habitantes é ótimo! Não achaste? - Bom... - Ontem mesmo, tinha uma fila enorme de pessoas para serem atendidas no posto daqui... - Pois é... - Essa troca de tempo repentina, também, não ajuda. Ninguém tem saúde para tanta variação no clima... - Esse tempo sem-vergonha mesmo... - Gostei, também, da promessa de terminar essas obras inacabadas da região... Acho que, se eleito, com esse as coisas irão andar... O que achas? - É... - Admiro quando o cara se compromete publicamente, como fez esse candidato em ajudar a agricultura, o meio ambiente, com a geração de empregos... Enfim, é isso que precisamos! - Admirável! - Acabei de me decidir depois de ouvir essas promessas: vou votar nesse candidato! O que achaste dele, Zen? Então, Zen, justificando o apelido, após ouvir atentamente o entusiasmo do irmão com as promessas do candidato, com calma e sabedoria, mastigou uma pipoca e questionou, em um tom irônico: - Muito boas as promessas, mas acho que perdi essa parte. Por acaso, o candidato disse como vai fazer tudo isso depois de eleito?
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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