Durante o jantar. Na mesa, o casal, em crise, e os dois filhos, meninos, que são gêmeos. Um deles questiona. - Pai! Por que... Eu... Tenho... Que comer... Vagem? - Fecha essa boca e engole primeiro antes de falar! - Pai... Deu, agora... Pode olhar, ó! Comi tudo... - FECHA A BOCA, JÁ FALEI! - Não grita assim, Mauro! - Tu não estás vendo o que essa criança está fazendo, Marília? - Estou! Mas não precisa gritar desse jeito! - Que falta de educação, meu Deus! Essas crianças estão cada vez piores! - Eu sei! Mas não precisa gritar! - É muito feio comer de boca-aberta! Ouviram, crianças? É MUITO FEIO! - Pára de gritar, criatura! - Estou só tentando dar um pouco de educação. - E precisa gritar para educar? - Pai! Pai! Não respondeu: por que eu tenho que comer vagem? - Porque, porque, meu filho... - Responde direito para a criança, Mauro! - Vai querer me ensinar agora? - Vou, sim! - Alguém responde: por que eu tenho que comer vagem? - Porque sim! Come quieto agora... - É assim que queres educar os teus filhos? - Por que estás perguntando isso? - Porque a educação que tu estás cobrando das crianças está faltando em ti, Mauro! - Estás insinuando que eu não sei educar os nossos filhos? - Não estou insinuando... Por que tu não podes responder direito para a criança? - Responde: estás insinuando que eu não sei educar os nossos filhos? - E não sabe mesmo! - Que absurdo! O que sobra para ti, então! - Ah tá! A culpada sou eu agora! - Pela maior parte sim! - Devo ser mesmo a culpada, afinal, essas crianças praticamente não tem pai! - Por que estás dizendo isso? Quando que eu fui ausente, Marília? Quanto falhei na educação das crianças, hein? - Agora, mesmo! Quantas vezes já conversamos sobre não discutir na frente deles? - Tu estás querendo... - Parem com isso! Por favor, alguém pode me responder por que eu tenho que comer vagem? Com o questionamento, o casal se olha e juntos deixam a mesa em direção ao quarto. De lá, ecoa o barulho dos gritos pelo recomeço da discussão. As crianças trocam olhares e, modificando a dúvida, o menino pergunta ao irmão: - Eles brigam por que eu tenho que comer vagem? O som ocasionado pelo acionamento da campainha da casa invade o ambiente, interrompendo a breve conversa entre as crianças. O menino em “dúvida” se dirige até a porta e a abre. Um senhor baixo, de aparência calejada pelo tempo, com uma rala barba branca, um tanto corcunda, está parado em frente à porta e oferece: - Quer comprar vagem, menino? Um brilho reflete dos olhos da criança. Finalmente, a sua inquietante dúvida poderia ser sanada. Então, sem titubear, ele responde a questão com outra pergunta: - Por que eu tenho que comer vagem, senhor? Surpreendido pelo questionamento do garoto e ouvindo o barulho dos gritos do interior da casa, o homem sorri e com a malícia adquirida pelos anos em vendas, responde: - Além de gostosos, meu filho! Talvez, o verde do legume possa trazer alguma paz para essa casa... Então, por que não compras, hein? Estão bem novinhos... Convencido pelo argumento do velho homem e com a ingênua e infantil perspectiva que a simples cor da vagem solucionasse o problema dos conflitos entre os pais, trazendo tranqüilidade à residência e o fim das discussões, o menino pega um dinheiro que estava em cima de uma cômoda e compra tudo do legume.
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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