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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
06/08/2010 - 09h57
A imagem do Santo
 
 

Há tempos, Parreirinha encasquetava que a imagem do Santo da cidade, no caso, São Jorge, exposta na igreja central, não era a mesma de quando participava da missa na infância. A cada retorno para casa depois da celebração religiosa dominical, que não perdia desde que tinha sete anos, a desconfiança aumentava e o comentário se repetia para a esposa:

- A cada domingo tenho mais certeza que a imagem do Santo é falsa! Foi trocada!

A esposa, nos primeiros comentários, ainda respondia:

- Isso é loucura da tua cabeça, homem! Bem capaz que iriam trocar a imagem do Santo!

Depois, desistiu e acabava ouvindo o rosnar do marido em silêncio. O discurso da esposa era repetido pelos amigos, os quais comentavam a desconfiança.
Certo dia, no entanto, depois de ver uma reportagem sobre o tráfico internacional de imagens de Santos na televisão, a sensação de dúvida foi aguçada e em um ato impulsivo, Parreirinha pegou a caixa de ferramentas e uma escada e gritou para a esposa:

- É hoje, Margarete! É hoje que eu descubro essa história do Santo!

Partiu sem cerimônia rumo à igreja. Era no final da tarde de um sábado chuvoso. Nesse dia e horário, era rotina a igreja estar fechada. Parou à frente da porta principal e não teve dificuldade nenhuma em abri-la, afinal, fazia isso há 35 anos como chaveiro conhecido que era na cidade. Caso alguém perguntasse o que fazia ali àquela hora, já tinha a desculpa na ponta da língua: que a porta emperrara e o padre havia lhe chamado para resolver o problema. Mas não foi o caso. Ninguém lhe chateou com questionamentos.
Entrou na igreja e um silêncio tomava o local, que só era interrompido, em alguns momentos, pelo uivar do vento. Caminhou em direção à imagem de São Jorge. Suava frio. Parou à frente do Santo, fez o sinal da cruz e armou a escada. Subiu vagarosamente cada degrau até a altura que pudesse alcançá-lo. A mão esquerda foi a primeira a tocar a imagem. Sentiu como se alguém lhe observasse. Tirou o Santo do pequeno altar e o virou de cabeça para baixo, foi quando surgiu a surpresa. Espantado pela descoberta, deixou escapar:

- Eu sabia! Eu sabia!

Gravado no fundo da imagem, estava escrito “Made in Taiwan”. Ainda atônito com aquela situação, com a réplica do Santo na mão, foi descer a escada e percebeu que o padre da igreja assistia à toda a cena, a poucos metros, com atenção. A aparição inesperada causou-lhe espanto, resultando que, estabanadamente, Parreirinha deixou escapar o Santo das mãos, vindo, a imagem, a cair no chão. Com a força do impacto, São Jorge estraçalhou-se e deixou os pequenos pedacinhos de gesso por todo o piso da igreja.
Com a quebra da imagem do Santo, surgiu uma nova surpresa. O interior do cavalo de São Jorge escondia um pesado saquinho plástico, que ficou próximo ao pé da escada. Ainda sem trocar qualquer palavra com o padre, Parreirinha terminou de descer a escada, pegou o saquinho e o abriu com cuidado. Dentro estava um pouco mais do que dez mil reais em dinheiro. O silêncio ainda persistia dentro da igreja, quando Parreirinha, com o dinheiro na mão e depois de olhar o estrago que causara no local, sentindo-se na obrigação de justificar algo, sem qualquer tipo de cerimônia, lascou:

- Padre! Eu tive uma visão...

Antes que prosseguisse com a história, o Padre interrompeu Parreirinha, ordenando:

- Vá embora e leve o dinheiro! Deixa que eu limpo essa bagunça!

Sem pestanejar, Parreirinha pegou a escada e a caixa de ferramentas e obedeceu a ordem, deixando rapidamente a igreja. Em casa, não quis comentar o assunto com a esposa.
No outro dia, na missa dominical, Parreirinha foi o primeiro a chegar à igreja. Sentou-se no primeiro banco. O local estava completamente limpo, sem qualquer vestígio do que acontecera no dia anterior, porém a imagem de São Jorge não havia sido recolocada. A celebração começou e transcorria normalmente até chegar ao sermão do padre. Foi quando o ocorrido foi revelado:

- Irmãos e irmãs! Peço-lhes uma especial atenção agora para o que lhes quero anunciar. Há um grande pecador entre nós!

Todos se olharam abismados dentro da igreja. O padre prossegue:

- Ontem, essa casa de oração teve subtraído um montante de recursos que seria utilizado pelo servo do senhor para a manutenção da Igreja. Ainda, teve a imagem de São Jorge quebrada...

A última palavra do padre provocou um burburinho entre os presentes à missa. O clima de revolta tomou a igreja. Foi então que Parreirinha, sentindo que as palavras do padre haviam sido proferidas diretamente para ele e que precisava fazer algo, pediu a palavra.

- Silêncio! Posso falar...

Parreirinha e o padre se olharam fixamente. O autor do ocorrido se tornaria réu confesso. A igreja silenciou. Mas não foi o que aconteceu:

- Eu tenho uma sugestão, irmãs e irmãos, para ajudar a reerguer a nossa saudosa igreja e comprar uma verdadeira imagem de São Jorge...

Parreirinha e o padre se olharam novamente. Ele continuou:

- Eu sugiro que cada um de nós contribua com o valor que for possível doar...

E demonstrando um ar de caridade e, talvez, certo remorso, o devoto Parreirinha anunciou o valor da sua parte.

- Eu vou doar cinco mil reais para a igreja!

Foi aplaudido de pé. O entusiasmo com a doação do Parreirinha tomou a igreja, gerando uma onda de solidariedade nos demais presentes. Ao todo, a “nova campanha” para angariar recursos conseguiu arrecadar mais de cinquenta mil reais para a igreja.
Então, vendo o valor arrecadado, o padre proferiu:

- Presenciando essa bonita mobilização, sensibilizei-me de tal modo que declaro: se o autor do pecado confessar o ocorrido no confessionário, eu intercederei junto a Deus para que lhe conceda o perdão!

Os aplausos tomaram novamente a igreja e a missa foi encerrada. A fila para se confessar começou a se formar, sendo que Parreirinha foi colocado com honras no primeiro lugar.
No confessionário, Parreirinha começou a falar:

- Padre! Eu...

Mas é logo interrompido pelo padre:

- Você está liberado, meu filho!

Ele insistiu:

- Mas padre! Eu fiz...

O padre completou a frase:

- O que você fez foi muito bonito. Pode ir!

Um silêncio pairou por alguns segundos. Então, Parreirinha comentou:

- Gostei do subterfúgio “servo do senhor...”

O padre iria rebater o comentário, mas não teve tempo, pois Parreirinha o indagou antes:

- Confessa, padre: a imagem de São Jorge era falsa, né?

O padre replicou com uma pergunta:

- Conheces a história do jacaré que não entrou no céu?
- Por causa da boca grande, né?, redargüiu, questionando, Parreirinha.
- Essa mesmo!, respondeu o Padre.
- Sei sim, por quê?, perguntou Parreirinha.

Então, o padre, do alto de sua sabedoria, reviu a sua posição e declarou a penitência e a reflexão a ser feita por Parreirinha:

- Vinte “Pai-Nosso” e vinte “Ave- Maria”, meu filho! Durante a reza, deves interpretar e relacionar essa história com a tua e colocá-la em prática se quiseres sentar ao lado do senhor algum dia!


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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