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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
23/04/2010 - 07h00
Assaltado
 
 

Depois de três horas e 18 ligações da esposa para o seu celular sem sucesso, Ferreira consegue descer em frente a sua casa, sob forte chuva, desembarcando de uma carona que pegara na estrada de um desconhecido. A mulher Magda o esperava sentada no sofá, impacientemente, lixando as unhas. Ao entrar pela porta...

- Isso são horas Cléber Luiz Ferreira Junior?
- Calma, Magda! Não está vendo que estou todo molhado? Eu explico tudo... Me alcança uma toalha daí...
- Quer? Vai pegar!
- Vai molhar tudo. Não tem problema?
- Não! Depois tu pegas o pano e seca...
- Eu já não disse que explico o que aconteceu, hein? Deixa pelo menos me secar primeiro...
- É bom que tenha uma boa explicação mesmo! Porque senão...
- Senão o quê? Senão o quê, Magda? Que inferno! Até tu vem me incomodar! Já chega que tive que agüentar o meu chefe enchendo o saco o dia inteiro. Saí do trabalho e fui tomar uma cervejinha para relaxar e acabo assaltado. Aí, chego em casa, querendo descansar e o que recebo? Mais perturbação! Que inferno de vida!
- Eu não sabia que... Meu Deus! Um assalto! Como foi isso, meu Deus? Tu estás bem? Te machucaram?
- Viu? Se não sabes... Não julgues! Calma! Estou bem sim! Deixa eu tomar um banho. Depois te conto tudo...
- Meu Deus do céu! Está bem...

Trinta minutos depois...

- Agora sim! Um banho faz a gente se acalmar...
- Mas conta como foi esse assalto? Onde foi? Te machucaram?
- Bom! Foi assim: eu estava indo a pé por aquela rua próxima do meu trabalho... Esqueci o nome... Que tem uma farmácia grande... Como é nome, meu Deus?
- Eu sei qual é! E daí?
- Daí, eu caminhava distraído quando dois caras surgiram atrás de uma árvore, armados, gritando “perdeu! Perdeu! Passa a carteira! Passa a carteira, tio!”...
- E aí?
- Aí que eu fiz o que recomendam: passei a carteira, o celular e não reagi.
- E os ladrões?
- Pegaram os troços e saíram correndo... Mas ainda dei sorte porque eles pegaram o dinheiro e deixaram o restante que estava na carteira. Documentos, cartões, essas coisas... Não perdi nada!
- Meu Deus! Tu podias ter morrido...
- Pois é!
- Não gosto nem de pensar... Mas agora está bem, graça a Deus!
- Agora sim! Passado o susto...
- Como isso foi acontecer... Chamou a polícia na hora?
- Chamei! Chamei! Mas os caras eram ligeiros... Nunca mais acham...
- Viu os rostos deles? Que roupas estavam vestindo?
- Não vi os rostos. Usavam essas “tocas ninjas”, sabes?
- Sei sim!
- E estavam vestidos de preto. O que não ajuda muito em uma identificação...
- É verdade!
- Magda: eu não quero mais falar no assunto, ok?
- Está bem! Está bem! Eu entendo. Não falamos mais sobre o assunto... Quer um cafezinho?

No trabalho. Dia seguinte...

- E aí Ferreira, como foi ontem?
- Mal! Muito Mal! Perdi trezentos contos...
- Capaz! Sério?
- Pior que sim! Trezentos mais o meu celular...
- Nossa!
- Sabia que não devia ter ido ontem. Sentia que a mão não estava boa para o jogo. Mas não adianta... Bingo vicia... O pior de tudo é que o negócio é clandestino, mas tem regras rígidas. Perdeu, perdeu! Não me deixaram nem com o dinheiro do táxi. Tive que voltar de carona... Não deixam ninguém com dívida pendurada...
- Só imagino!
- O pior foi contar para a Magda...
- Falou a verdade?
- Lógico que não! Inventei a estória que fui assaltado, coisa e tal... Que levaram o dinheiro e o celular...
- E colou?
- Acho que sim! Pelo menos ela não falou mais no assunto...
- Depois dessa, aprendeu a lição, né?
- Mais ou menos...
- Como “mais ou menos”? Vai dar um tempo para o jogo, né?
- Que nada! Hoje vou de novo. Preciso recuperar o prejuízo de ontem... Mas já descobri o problema: o número onze. Esse número sempre me traz azar quando o tenho...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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