Depois de três horas e 18 ligações da esposa para o seu celular sem sucesso, Ferreira consegue descer em frente a sua casa, sob forte chuva, desembarcando de uma carona que pegara na estrada de um desconhecido. A mulher Magda o esperava sentada no sofá, impacientemente, lixando as unhas. Ao entrar pela porta... - Isso são horas Cléber Luiz Ferreira Junior? - Calma, Magda! Não está vendo que estou todo molhado? Eu explico tudo... Me alcança uma toalha daí... - Quer? Vai pegar! - Vai molhar tudo. Não tem problema? - Não! Depois tu pegas o pano e seca... - Eu já não disse que explico o que aconteceu, hein? Deixa pelo menos me secar primeiro... - É bom que tenha uma boa explicação mesmo! Porque senão... - Senão o quê? Senão o quê, Magda? Que inferno! Até tu vem me incomodar! Já chega que tive que agüentar o meu chefe enchendo o saco o dia inteiro. Saí do trabalho e fui tomar uma cervejinha para relaxar e acabo assaltado. Aí, chego em casa, querendo descansar e o que recebo? Mais perturbação! Que inferno de vida! - Eu não sabia que... Meu Deus! Um assalto! Como foi isso, meu Deus? Tu estás bem? Te machucaram? - Viu? Se não sabes... Não julgues! Calma! Estou bem sim! Deixa eu tomar um banho. Depois te conto tudo... - Meu Deus do céu! Está bem... Trinta minutos depois... - Agora sim! Um banho faz a gente se acalmar... - Mas conta como foi esse assalto? Onde foi? Te machucaram? - Bom! Foi assim: eu estava indo a pé por aquela rua próxima do meu trabalho... Esqueci o nome... Que tem uma farmácia grande... Como é nome, meu Deus? - Eu sei qual é! E daí? - Daí, eu caminhava distraído quando dois caras surgiram atrás de uma árvore, armados, gritando “perdeu! Perdeu! Passa a carteira! Passa a carteira, tio!”... - E aí? - Aí que eu fiz o que recomendam: passei a carteira, o celular e não reagi. - E os ladrões? - Pegaram os troços e saíram correndo... Mas ainda dei sorte porque eles pegaram o dinheiro e deixaram o restante que estava na carteira. Documentos, cartões, essas coisas... Não perdi nada! - Meu Deus! Tu podias ter morrido... - Pois é! - Não gosto nem de pensar... Mas agora está bem, graça a Deus! - Agora sim! Passado o susto... - Como isso foi acontecer... Chamou a polícia na hora? - Chamei! Chamei! Mas os caras eram ligeiros... Nunca mais acham... - Viu os rostos deles? Que roupas estavam vestindo? - Não vi os rostos. Usavam essas “tocas ninjas”, sabes? - Sei sim! - E estavam vestidos de preto. O que não ajuda muito em uma identificação... - É verdade! - Magda: eu não quero mais falar no assunto, ok? - Está bem! Está bem! Eu entendo. Não falamos mais sobre o assunto... Quer um cafezinho? No trabalho. Dia seguinte... - E aí Ferreira, como foi ontem? - Mal! Muito Mal! Perdi trezentos contos... - Capaz! Sério? - Pior que sim! Trezentos mais o meu celular... - Nossa! - Sabia que não devia ter ido ontem. Sentia que a mão não estava boa para o jogo. Mas não adianta... Bingo vicia... O pior de tudo é que o negócio é clandestino, mas tem regras rígidas. Perdeu, perdeu! Não me deixaram nem com o dinheiro do táxi. Tive que voltar de carona... Não deixam ninguém com dívida pendurada... - Só imagino! - O pior foi contar para a Magda... - Falou a verdade? - Lógico que não! Inventei a estória que fui assaltado, coisa e tal... Que levaram o dinheiro e o celular... - E colou? - Acho que sim! Pelo menos ela não falou mais no assunto... - Depois dessa, aprendeu a lição, né? - Mais ou menos... - Como “mais ou menos”? Vai dar um tempo para o jogo, né? - Que nada! Hoje vou de novo. Preciso recuperar o prejuízo de ontem... Mas já descobri o problema: o número onze. Esse número sempre me traz azar quando o tenho...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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