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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
23/10/2009 - 07h02
A fábula da ponte
 
 

Era um sonho. Do nada, me vi caminhando sobre os trilhos de madeira de uma ponte. Mas não era uma ponte qualquer. No lugar de cruzar o rio de uma margem a outra, a ponte ficava bem no meio das águas, cerca de três metros acima, seguindo o fluxo das violentas correntezas.

Eu estava todo de branco. Não enxergava o que havia nem para os lados nem para frente. Um clarão ofuscava a minha visão. Instintivamente, resolvi seguir o caminho da ponte. Dei poucos passos e encontrei sentada a desconfiança. Ela me olhou e disse:

– Eu acho que não vais conseguir!

E se escondeu atrás de uma capa, que dizia nas costas “Pare enquanto é tempo. É melhor!”. Confesso que me deu medo. O que seria aquilo? Um presságio? Mal pude terminar o raciocínio e o próprio medo se apresentou como se fosse uma nuvem de fumaça. Tremia! Antes que eu pudesse indagar algo, ele nervosamente me aconselhou:

– Acabei de vir de lá. É tudo desconhecido pra ti. Não queira saber o que há aí em frente. Pare agora!

Quando terminei de pensar que tudo que é novo causa medo, o próprio medo tinha desaparecido. Mesmo com as ressalvas, continuei trilhando a ponte, com passos cada vez mais cuidadosos. Comecei a sentir algo no peito, uma sensação estranha, difícil de explicar. Quando dei por mim, eu carregava um peso em minhas costas. Era a angústia. Ela apenas me olhou e manteve o silêncio. Parei de caminhar. Fiquei tonto. Respirei fundo. Olhei ao meu redor e percebi que tinha três opções: ficar parado, voltar pelo mesmo caminho ou seguir os trilhos da ponte rumo ao desconhecido. Refletia sobre o que fazer quando uma lagartixa vestida com uma camiseta com a estampa de um ponto de interrogação surgiu aos meus pés. Dizia pra si: “lagartixa ou borboleta? Rastejar ou voar”? Passou por mim sem dirigir uma palavra sequer. Era a dúvida!

Pensei um pouco e decidi acreditar na minha vontade. Dei um passo seguindo em frente e automaticamente a angústia, que ainda estava em minhas costas, se atirou no rio, sendo levada pela correnteza. Sorri. Seria um sinal positivo?

Então, iniciei a caminhada de um longo percurso, enfrentando inúmeras dificuldades, como obstáculos na ponte, a falta de trilhos, ventos que a faziam balançar. Tudo em absoluto silêncio. Apenas com a companhia das palavras escritas na trilha: “cansado” e “desista’. Confesso que pensei em desistir em várias oportunidades. Mas algo dentro de mim me fortalecia e me incentivava a continuar. O que se tornou ainda mais forte quando avistei o esforço, a convicção e a motivação fazendo uma espécie de malabares uma com a outra, e, a esperança brincando com uma caixinha. Sorri e segui a trilha, pois longinquamente avistava pela primeira vez alguma coisa no final da ponte, em uma espécie de ilha, porém não conseguia defini-la. Parecia um barraco.

A cada passo que dava rumo a esse suposto barraco, uma surpresa surgia pelo caminho. Primeiro, defrontei-me com o ego e a vaidade espancando a humildade. Quando consegui separá-los da briga, a sabedoria apareceu e correu a dupla. A humildade, como agradecimento, disse que me acompanharia o restante do caminho. Mal havia saído desta confusão, deparei-me com a maldade, que havia amarrado algumas pessoas como se fossem os trilhos da ponte. Com um chicote na mão direita, ela apenas me olhava e gargalhava em alto tom. Para continuar no meu objetivo, eu precisava passar por cima das pessoas. Olhei para a humildade que apenas ergueu os ombros, como se não soubesse o que fazer naquele momento.

Refletia sobre aquela situação, sonhando que podia ter asas para voar, pois assim atingiria o final da ponte e o barraco, que eram os meus objetivos, sem precisar pisar sobre ninguém. Fechei os olhos e imaginei-me flutuar sobre ar. Foi quando senti que os meus pés saíram do chão. Eram o sonho, a espiritualidade e a fé, que me erguiam fazendo passar pelos obstáculos humanos sem tocá-los. Voei durante alguns metros até ser largado em frente à porta do tal barraco. Um barraco cheio de marcas do tempo e com palavras escritas nas paredes relatando todos os sentimentos. Dei dois passos para trás e constatei que ele tinha a forma de um coração. Resolvi entrar...

Então, acordei! Inexplicavelmente um largo sorriso tomava o meu rosto. Estava contagiado por uma súbita FELICIDADE!


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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