Não tenho um bom emprego e com certeza não é o emprego que eu quero para os meus dois filhos. Sou motorista de uma funerária há dez anos. Já estou acostumado com a companhia dos mortos. Sou quase um taxista; mas tenho a vantagem de não ter que escutar papos inconvenientes de alguns passageiros, e muito menos ter que aturar mau humor dos mesmos. Há alguns meses havia prometido a minha esposa que chegaria mais cedo em casa, quando fui surpreendido por um trabalho de última hora, tentei dialogar, mas não foi possível, não tinha mais nenhum motorista disponível. Meio a contragosto liguei para a minha esposa e avisei que chegaria tarde. Ela depois de soltar vários impropérios pelo telefone desligou na minha cara antes que eu pudesse dizer qualquer coisa a mais. O tempo não estava bom, uma tempestade se aproximava rapidamente, ventava e fazia muito frio, esperava estar em casa por volta das oito da noite. Esperei colocarem o caixão no carro e segui meu caminho. A estrada era deserta e mal iluminada, cortada por árvores de ambos os lados, parecia que eu era o único naquele maldito lugar. Como eu temia, a tempestade me pegou no meio do caminho, o festival de relâmpagos que cortavam o céu ao menos serviu para iluminar meu caminho temporariamente. Mais a frente, avistei uma moça agachada no encostamento da estrada, passei por ela, dei marcha ré e parei ao seu lado: - Posso ajudar em algo? Ela me fitou, mas nada respondeu. Sem saber o que falar em seguida olhei para um árvore caída próxima a ela e fiquei esperando ela dizer alguma coisa. Ela se levantou caminhou até a porta do carro, abriu e sentou no banco do carona. - O que fazia naquela chuva moça? - Perguntei tentando ser simpático. Não sei se ela não me ouviu, ou apenas fingiu não ouvir, sua atenção foi desviada para o caixão que eu transportava. - Espero que você não ligue normalmente eles não incomodam ninguém! - Disse tentando arrancar um sorriso dela. Novamente ela ignorou meu comentário. Meio encabulado, fiquei calado apenas prestando atenção na estrada escura que estava a minha frente. De soslaio eu via que freqüentemente sua atenção era desviada para o caixão. “O que fazia uma bela moça como essa sozinha na estrada?” - Pensava comigo mesmo. Ela levou a mão suavemente até o rosto e afastou o cabelo que teimava em roçar a sua face. Ela tinha algo dentro da orelha, parecia ser algodão. - Você está com dor de ouvido? - Perguntei. Ela virou-se em minha direção e do seu nariz saia um chumaço de algodão, assustado perdi a direção do carro e por pouco não bati em uma árvore. Ela agora estava enfiando a mão dentro de sua boca e puxando mais um chumaço de algodão. Eu não conseguia me mexer, estava aterrorizado. Sem dizer uma palavra ela abandonou meu carro, e caminhou em direção ao caminho que já havíamos percorrido. Refeito do susto segui minha viagem, assim que cheguei fiquei sabendo que o corpo que eu transportava era de uma jovem que morreu em um acidente de carro exatamente onde eu encontrei minha caronista. Ela perdeu o controle do carro e chocou-se de frente com uma árvore, morrendo no local. Abri o caixão apenas para constatar o que eu já sabia; eu carregava o corpo da minha caronista.
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