Reginaldo foi chamado para uma entrevista de estágio em uma modesta produtora de televisão. Havia mandado um currículo para lá. Estava prestes a se formar em jornalismo e esperava realizar o sonho de exercer a profissão que escolheu, antes mesmo de terminar a faculdade. Vestiu terno e gravata pela primeira vez na vida. Nunca tinha usado este traje. A mãe passou a camisa, a calça, o paletó e a gravata dedicada e carinhosamente. Tudo bem-engomado, sem deixar nenhum vinco. Esperançosa, rezava pelo filho enquanto passava o ferro e ele se perfumava. O pai lhe passava algumas instruções, como olhar de frente para o entrevistador, se soltar, não demonstrar nervosismo, entre outras coisas. Seguiu tenso para a produtora, localizada em um casarão antigo no Flamengo. Ao chegar, com meia hora de antecedência, encontrou a secretária esnobe, fazendo apenas o seu trabalho, e mais cinco candidatos, três mulheres com terninho e dois homens de camisa social e gravata. Foi chamado uma hora depois. Apesar da tensão, foi extrovertido, solto e conversou bastante com o empregador, que lhe perguntou seus pontos fortes e fracos. Como qualidade, Reginaldo respondeu a honestidade, a disposição para trabalhar e a sinceridade. Como defeito, apontou a sua preguiça e a timidez. Tinha apenas três anos de inglês no currículo. O dono encerrou a entrevista e prometeu ligar em uma semana. Não ligou. Reginaldo acreditou que foi reprovado por falta de experiência. Reginaldo terminou a faculdade. Concluiu o curso de inglês. Fez um curso de informática, de assessoria de imprensa e jornalismo on-line. Foi chamado para uma dinâmica de grupo na maior emissora de televisão do Brasil. Tinha participado da prova de seleção. Estava próximo mais uma vez, de realizar o sonho de exercer a profissão que escolheu. E logo na maior televisão do país. Desta vez, não quis usar terno. A mãe, de novo, passou a camisa, a calça e a gravata com carinho e dedicação. Tudo bem-engomado, sem deixar nenhum vinco. Esperançosa, rezava pelo filho enquanto passava o ferro e ele se perfumava. O pai novamente lhe passava algumas instruções, como olhar de frente para o entrevistador, se soltar, não demonstrar nervosismo, entre outras coisas. Seguiu tenso para a emissora, situada em um prédio cinqüentenário na Lagoa. Ao chegar, com meia hora de antecedência, encontrou uma secretária mais simpática, fazendo apenas o seu trabalho, e mais seis candidatos, duas mulheres com terninho e uma de vestido longo de alcinha florido, além de dois homens de camisa social e outro de terno. Foi chamado uma hora depois, junto com seus concorrentes. O mediador da dinâmica passou um trabalho em equipe. Reginaldo ficou em silêncio. Balbuciou algumas palavras inúteis, que nada serviram para resolver a solução do problema elaborado pela organização da seleção. O mediador prometeu ligar em uma semana. Não ligou. Reginaldo acreditou que foi reprovado pela timidez. Reginaldo fez outra faculdade. Participou de outra entrevista de estágio, mas agora em uma famosa agência de publicidade. Tinha mandado um currículo para lá. Desta vez não quis usar gravata. Saiu de camisa social branca e calça de linho, bem passadas com carinho e dedicação pela mãe. Pela terceira vez, o pai lhe passava algumas instruções, como olhar de frente para o entrevistador, se soltar, não demonstrar nervosismo, entre outras coisas. Estava prestes a se formar em publicidade e esperava exercer a segunda profissão que escolheu, antes mesmo de terminar a faculdade. Ao chegar ao moderno e luxuoso prédio na Avenida Atlântica, com meia hora de antecedência, voltou a encontrar uma secretária esnobe, fazendo apenas o seu trabalho. Foi chamado uma hora depois. Não soube responder às perguntas da gerente da agência, que encerrou a entrevista irritada com os erros de Reginaldo. Não prometeu nada. O dispensou de uma vez. Reginaldo acreditou que foi reprovado por causa do seu nervosismo Na quarta tentativa já estava formado. A agência que o chamou ficava em um tradicional edifício no centro da cidade. Mais maduro, voltou a demonstrar-se confiante, tranqüilo e extrovertido. Só não ganhou a vaga porque apareceu uma concorrente muito bonita e com a experiência, inclusive internacional, que Reginaldo não tinha. Fez pós-graduação em telejornalismo. Desistiu da publicidade e voltou a priorizar o jornalismo. Mas diante da necessidade urgente de arrumar emprego e da dificuldade de conseguir uma colocação em sua área, Reginaldo decidiu tentar uma vaga de atendente em uma distribuidora de auto-peças na Avenida Brasil, indicada pelo seu pai. Foi à entrevista com o amigo do seu pai vestido com uma camisa social de manga curta e calça jeans. A roupa, novamente, foi passada por sua mãe, que rezou, esperançosa. Como sempre. O pai lhe transmitiu as mesmas instruções. E o resultado também foi igual ao das outras oportunidades. Reginaldo não foi aceito por falta de experiência. Mesmo tendo demonstrado confiança, segurança e extroversão. Dez anos se passaram. Reginaldo decidiu tentar uma vaga de faxineiro de uma lanchonete em Duque de Caxias. Também recomendado por seu pai. Resolveu ir de calça jeans e camiseta. A mãe não passou a roupa por causa da idade e do problema da coluna. Mas continuou rezando enquanto ele se perfumava e ouvia o seu pai lhe transmitir, pela última vez, as mesmas instruções. Foi extrovertido, seguro e confiante. Não conseguiu. Aos quarenta anos, já estava muito velho para o serviço. Deixou a lanchonete e andou longamente até o ponto de ônibus. Sob o sol escaldante da Baixada Fluminense, seu coração não resistiu ao forte calor. Caiu fulminado. A mãe voltou a passar a camisa, a calça, o paletó e a gravata do terno. Não mais com carinho, dedicação e esperança. O sentimento agora era de tristeza, dor e resignação. O filho já não se perfumava mais. As rosas do caixão que o abrigaria se encarregaram da tarefa. O pai não dava mais as suas instruções. Só lamentava. No velório o celular de Reginaldo tocou. A irmã atendeu. Era o diretor de uma revista esportiva para a qual Reginaldo tinha mandado currículo e participado secretamente de uma entrevista há uns dois anos. Queria comunicar que Reginaldo foi aprovado e poderia começar a trabalhar na segunda-feira. Nota do Editor: Gustavo do Carmo é jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Todo cultural” - tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.
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