- Agora danou-se! - Pára com isso, João! Deixe de bobagem, homem! - Bobagem porque não é com você. Ele falou para a Gislaine que se pegasse outro homem com ela, morria ela e o amante. - Isso que dá ficar saindo com mulher casada. Eu avisei, homem, mas você não toma jeito. - Eu só queria me divertir um pouco, Josefa. Você nunca vai entender isso. - Então tomasse mais cuidado! Agora que o corno já sabe você vai se divertir no inferno, seu filho de rapariga! - Rapariga não! Que minha mãe é sua mãe também. Tome cuidado com as palavras, Josefa! - Às vezes fico pensando que você deve ser bastardo. Se fosse meu irmão de verdade teria algum juízo nessa cabeça. - Me ajude, me ajude, me ajude, Josefa! João estava encrencado mesmo. Severino havia deixado muito claro para Gislaine que, se ela o traísse, fizesse bem feito e não deixasse pistas. Pois, se ele soubesse de traição, a faca ia ficar vermelha. Então quando Gislaine e João saíram daquele motel, de beira de estrada, no opala amarelo, e viram Severino montado na bicicleta, olhando feroz para dentro do carro, João acelerou o possante como se guiasse um Fórmula 1. O cabra marcado para morrer deixou Gislaine chorando na porta da casa da mãe dela. Depois saiu rasgando aquela rua de terra em direção à casa de sua irmã. Chegando lá, contou a história e pediu ajuda – como se Josefa pudesse fazer alguma coisa diante de tal problema. João estava de cabelo em pé, porque sempre fora frouxo – daqueles homens que têm medo de barata e não tomam banho de água fria, em hipótese alguma. Só de pensar numa faca entalada na sua barriga, já se sentia um morto. - A saída é fugir, João. - Fugir para onde, mulher de Deus?! - Fugir para onde você não morra, sua besta! - E se ele me achar? - Foi porque você não fugiu direito, seu filho de uma égua! - E dinheiro? - Não olha para mim. Porque você não vende seu opalão? - Isso não! Prefiro morrer! - Então morra! Mas saia da minha casa primeiro que limpei o chão faz 15 minutos e não quero mancha de sangue aqui não! - Não brinque com uma coisa dessas, Josefa! - E quem é que está brincando aqui? João pegou o opala e foi no posto de gasolina. - Juraci, me ajuda? - O que foi, João? - Preciso que você encha o tanque do opalão, fiado. - Sem problema, João. Depois você me paga, oxente. - Mas tem mais. - Mais o quê? - Preciso que você me empreste um dinheiro. - Danou-se! O banco é no outro lado da rua, João. - É urgente, Juraci. Caso de vida ou morte. - Quem está doente, João? - Ninguém, mas se você não me emprestar o dinheiro – vai ficar e vai morrer logo, não vai durar nada não. - Você está bêbado essa hora do dia, João? - Juraci, estou falando sério. Enche o tanque do opalão e me empresta algum dinheiro. Juro para você que na próxima semana eu pago. - Então, está bem. Mas é bom pagar mesmo, João. Porque nós somos amigos, desde criança, mas, se você não pagar o dinheiro, eu te mato. - Então, entre na fila que a concorrência está grande. - O que foi, homem? - Nada não. Me dê esse dinheiro logo e encha o tanque aí que preciso pegar a estrada, Juraci. João foi embora. Não deu tempo nem pegar bagagem. Foi para destino não sabido, nem por ele próprio. João queria viver e sabia que se ficasse mais alguns minutos naquela cidade viraria um homem morto. Na estrada, João se arrependeu, desde o dia que nasceu, por ter saído com Gislaine. Tanta mulher no mundo e foi comer logo mulher casada, pensava. Era uma besta mesmo, como a irmã falava. Na cidade, Gislaine tentava explicar o inexplicável para Severino. A gritaria parava a cidade. E para segurar Severino foram precisos cinco homens, fortes e valentes. Severino gritava que a faca estava afiada e que aquela rapariga ia saber com quem casou era naquele momento. Severino queria vingança. Severino queria sangue. Severino estava doido. João, na estrada, sentia fome e, agora mais calmo, achava que já era hora de parar para comer alguma coisa. Parou o opala amarelo numa lanchonete na beira da estrada e entrou olhando a vitrine e procurando o que comer. Uma atendente lhe abriu um sorriso e lhe perguntou o que queria. João arregalou os olhos, sentiu a boca salivando, e viu que a fome era muito maior do que ele imaginava. - Esse lanche de queijo está fresco? - Sim, está. Mas se o senhor quiser posso pedir para o meu marido fazer um outro agora mesmo. João olhou para o marido da moça trabalhando na chapa, no fundo da lanchonete, e olhou para a boca, os olhos e, depois, o decote da atendente. Por fim, sorriu. - Peça para seu marido fazer um lanche novinho para mim. E depois venha cá, na mesa, que quero lhe pedir umas outras coisas, fazendo o favor. - Claro. O senhor fica à vontade que eu já volto. João havia gostado daquela cidade. João achava que ia se estabelecer ali mesmo. No rádio da lanchonete escutou um samba “...deixa a vida me levar, vida leva eu..., deixa a vida me levar, vida leva eu..., sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu...”. Ainda deu uma sambadinha antes de sentar à mesa e agradecer a Deus por ser homem e, depois disso, por estar vivo também. Mas ter nascido homem era mesmo a melhor parte, pensava. Nota do Editor: Fábio de Lima é jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.
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