“A melhor estratégia neste momento é viabilizar a máxima diversidade de fontes e formas de financiamento”, aponta Sérgio Xavier, em entrevista a Cultura e Mercado. “Em vez de extinguir as leis de incentivo fiscal, como defendem alguns, precisamos corrigir, democratizar, reinventar e multiplicar suas aplicações. Inclusive, buscando interligações entre os mecanismos municipais, estaduais e federais”, enfatiza o ex-secretário de fomento do Minc. “Nem se trata de uma questão ideológica, já que não nos parece viável, nos dias de hoje, pensar o Mercado e o Estado de forma separada, excludente ou antagônica”. “Não podemos culpar esse ou outro agente de forma isolada. A qualidade do nosso Estado e do nosso Mercado é proporcional à capacidade de percepção e mobilização da nossa sociedade. Em nenhum campo haverá evolução democrática e duradoura sem a participação ampla da sociedade”, observa Sérgio Xavier, nesta conversa franca, aberta e propositiva sobre um assunto que conhece na intimidade: a Lei Rouanet. Na primeira gestão de Gilberto Gil no MinC, Xavier foi responsável por colocar todo um ministério em uma secretaria, já que o escopo de atuação do MinC foi ampliado e o esforço demandado à Lei Rouanet conseqüentemente diminuído. Ele nos concede, por e-mail, a seguinte entrevista: Leonardo Brant - Conte-nos um pouco do seu trabalho à frente da Secretaria de Fomento, no MinC. Sérgio Xavier - De 2003 até o início de 2006 coordenamos a implantação desta nova secretaria, criada pelo ministro Gilberto Gil, na reestruturação geral do MinC, para centralizar a gestão da Lei Rouanet, com seus diversos mecanismos de incentivo, antes dispersos em quatro secretarias. Foi um grande desafio criar a nova estrutura sem paralisar as atividades de orientação, recebimento, análise, aprovação e prestação de contas de milhares de projetos culturais. Isso só foi possível graças a um trabalho coletivo, que contou com grande dedicação das equipes técnicas do MinC, e dos integrantes da CNIC – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. Em debates realizados nesse período, em todas as regiões do Brasil, articulados pelo ex-secretário de Políticas Culturais Paulo Miguez, coletamos percepções, críticas e sugestões que nortearam as ações da secretaria e subsidiaram a atualização do decreto que regulamenta a Lei Rouanet. Uma das principais inovações do novo decreto, formalizado em 2006, é a possibilidade de usar editais também no mecenato (mecanismo de isenção fiscal), para equalizar o acesso a recursos em setores e regiões com dificuldade de captação, problema apontado como número um em todos os fóruns. Com este mecanismo, o MinC pode definir valores, convidar empresas para investir e selecionar os projetos, por segmento e região. Os selecionados terão recursos assegurados, garantindo verbas para locais que jamais teriam acesso a patrocínio pelas vias convencionais. Um processo simples e sem intermediários, que o MinC já vem fazendo com sucesso na aplicação de recursos do seu orçamento direto e que pode ser aplicado também no uso dos recursos incentivados. Este formato garante sintonia com as políticas públicas e ajuda a sensibilizar as empresas a investir em setores menos articulados e mais carentes. Na secretaria de fomento, não fizemos tudo o que gostaríamos, mas acho que demos uma boa largada na consolidação da estrutura básica, nas articulações para explorar mercados internacionais (realizadas com centros culturais americanos) e na definição das bases de uma política pública de financiamento à cultura. LB - Quais os principais resultados? SX - É muito chato falar de números, mas é uma forma objetiva de demonstrar resultados e prestar contas. O financiamento de projetos culturais via Lei Rouanet dobrou de 2003 a 2005, saltando de R$ 344,5 milhões em 2002 para R$ 723 milhões em 2005 e não parou de crescer, chegando a cerca de R$ 1 bilhão no ano passado. Também foram registradas expressivas melhorias nas distribuições regionais, reduzindo algumas concentrações de recursos. O Acre, por exemplo, que de 1991 a 2002, durante 11 anos, havia captado apenas R$ 35 mil, evoluiu para uma soma de R$ 2,3 milhões, em 3 anos, entre 2004 e 2006. A região Norte subiu de uma média anual de R$ 1,5 milhão, entre os anos de 1998 e 2002, para uma média de R$ 7 milhões anuais entre 2003 e 2006, quase 5 vezes mais. Resultados semelhantes foram registrados no Nordeste, que saltou de R$ 20,2 milhões em 2002 para R$ 55,8 milhões em 2006; e Centro-Oeste, que subiu de R$ 10,7 milhões em 2002 para R$ 28,2 milhões em 2006, sem que houvesse redução de captação no Sul e Sudeste, que, pelo contrário, dobraram suas participações nesse período. O Sudeste evoluiu de R$ 268,8 para R$ 676,5 milhões e o Sul de R$ 42 para R$ 81 milhões. É claro que esses números são meras referências comparativas e não respondem a muitas questões que continuam críticas, como o acesso do pequeno produtor independente ao financiamento. Mas indicam uma transformação efetiva e que continua sendo perseverada pelo ministro Gil e equipe. Quando deixei o MinC em 2006 por necessidade de retomar minhas atividades pessoais e empresariais, saí feliz por ter contribuído com esse processo. LB - A Lei Rouanet é um instrumento de política pública ou de mercado? Qual o papel do Estado nesse processo? SX - A produção cultural compreende ao mesmo tempo uma dimensão pública, simbólica, não comercial, e uma dimensão mercadológica, que gera cadeias produtivas e valores econômicos. Exige, portanto, canais e instrumentos de financiamento adequados a cada uma dessas dimensões, Estado e Mercado, em doses certas. O grande desafio das políticas e ações governamentais é impedir que recursos públicos sejam aplicados em iniciativas que o mercado pode financiar. E, por outro lado, não depender do mercado para financiar bens, serviços e ações que são de responsabilidade do Estado e que devem estar acessíveis a todos. Isso vale para qualquer área. No sistema de financiamento público da cultura, a sociedade deve ser a beneficiária final e os artistas e produtores os elos estratégicos do processo de criação e fruição dos bens culturais. Portanto, os recursos não devem focar apenas nos projetos em si, mas considerar também o contexto maior, levando em conta os interesses mais elevados da sociedade que sonhamos ter. Em sintonia com esses princípios republicanos, os mecanismos de financiamento do Estado e do Mercado devem ser complementares e disponibilizados de forma autônoma, mas articulados, visando otimizar recursos e potencializar resultados. As leis de incentivo que usam isenção fiscal como fonte financeira, caso da Lei Rouanet, situam-se na fronteira dessas duas dimensões, Estado e Mercado, unindo recursos públicos e privados no financiamento de projetos culturais. A Lei Rouanet tem uma base conceitual muito coerente. É composta por 3 grandes instrumentos que abrangem o papel do Estado, o papel do Mercado e a zona intermediária que combina essas duas dimensões: Um: O Fundo Nacional de Cultura - FNC, que situa-se na dimensão do Estado, mas que também pode fomentar o mercado – é um instrumento para financiar projetos de interesse totalmente público, sem apelo comercial, com características típicas de Estado e que o que o mercado jamais atenderá. Mas tem também um mecanismo de financiamento reembolsável que poderia, com participação de agentes financeiros, oferecer empréstimos com juros baixos e prazos generosos para projetos com fins lucrativos, podendo atrair recursos para refinanciar novos projetos. Dois: Os Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART, ainda não implantados, que situam-se no âmbito do mercado, para financiar projetos que têm potencialidades lucrativas; Três: O Mecenato, que é o instrumento intermediário, com parte dos recursos vindo de fonte pública (isenção de imposto de renda) e parte de fontes privadas – no caso de projetos enquadrados no artigo 26, que permitem desconto de 30% no imposto devido, exigindo que as empresas patrocinadoras invistam recursos próprios. Portanto, respondendo diretamente à sua pergunta, a Lei Rouanet pode ser um instrumento aplicado a políticas públicas e ao mesmo tempo um canal de captação e ordenamento do uso de recursos privados. Mas cada um desses três instrumentos tem hoje problemas relevantes, cujas soluções são interdependentes e devem ser trabalhadas de forma sistêmica: O FNC nunca recebe recursos suficientes para atender à grande demanda nacional, que poderia ser suprida de forma democrática, com a participação de Conselhos representativos na definição das prioridades e dos critérios de aplicação de recursos. O ministro Gil criou Câmaras Setoriais, Sistema Nacional de Cultura e outros fóruns democráticos para essa discussão, mas a falta de recursos é a principal barreira para o modelo avançar. No caso dos empréstimos reembolsáveis, uma experiência inicial gerou diversos problemas e o processo foi interrompido. Seria importante reestudar, corrigir falhas e atualizar esse mecanismo. O Ficart nunca foi ativado, pois o mercado não é instigado a realizar investimentos com algum risco, já que tem à sua disposição o mecenato, que permite fazer projetos com recursos 100% públicos (além da lei do audiovisual, que oferece vantagens ainda maiores). A saída que defendemos desde os primeiros debates em 2003, seria criar um leque flexível de percentuais, variando de 30% a 100%, de acordo com o grau de potencialidade comercial do projeto. Ou seja, um projeto no interior ou em áreas de pouco apelo publicitário ou mercadológico, com baixo interesse dos patrocinadores, poderia receber 100% e este percentual iria caindo na medida em que o projeto fosse mais atraente na lógica natural dos patrocinadores. O MinC, com participação das entidades representativas e da CNIC poderia definir os critérios de análise para viabilizar este modelo. Acho até que seria mais fácil aplicar percentuais variáveis, do que o radicalismo atual dos 30 ou 100, sem meios termos. Detalhei esta idéia em diversos artigos, um deles publicado em março do ano passado no Cultura e Mercado. O Mecenato depende sempre da boa vontade do patrocinador, que geralmente são grandes empresas, sediadas em poucas capitais, o que torna o acesso muito difícil para produtores pouco articulados ou residentes no interior. Portanto, as soluções para esse quadro exigem poucos ajustes na Lei. Praticamente seria criar o percentual de isenção fiscal variável de 30% a 100%. A maior parte das mudanças podem ser feitas nas regulamentações, via Decreto, Portarias e ações gerenciais. Além disso, e enquanto essas mudanças não ocorrem, outras medidas são necessárias. Como citei anteriormente, o novo decreto que regulamenta a Lei, possibilita melhorar o acesso e a distribuição de recursos a partir de editais coordenados pelo próprio MinC, o que poderia superar as dificuldades de captação do mecenato e a deficiência de orçamento do FNC. É uma forma concreta de reduzir as concentrações, sem paternalismo, já que haverá competição entre projetos da mesma localidade e do mesmo segmento cultural, exigindo, com justiça, maior qualidade. Para motivar a participação, o novo decreto prevê que as empresas patrocinadoras sejam agraciadas com selos e prêmios nacionais, gerando o tão buscado “retorno de imagem”. Mas tudo isso é solução parcial e não prescinde do aumento do orçamento direto do MinC, para que o papel do Estado seja cumprido de forma plena, sem malabarismos. E é isso que tem defendido o ministro Gilberto Gil, o secretário-executivo Juca Ferreira e toda a equipe do ministério da Cultura, desde os primeiros momentos do governo Lula. É preciso aprimorar a Lei, mas, em paralelo, é fundamental adequar o orçamento e criar outros instrumentos de financiamento público adequados a cada tipo de necessidade, integrados ao Sistema Nacional de Cultura, como inclusive já está previsto nas propostas do Plano Nacional de Cultura. Também são fundamentais ações de capacitação de produtores e proponentes. A democratização do acesso passa pela capacidade de elaborar e gerenciar bons projetos, para garantir a bons resultados. LB - Existia na época que você ocupava o cargo de Secretário do Fomento e existe hoje, pelo que você acompanha, um consenso no MinC sobre os principais problemas da Lei Rouanet e as soluções cabíveis? SX - Sobre os problemas acho que há um consenso, pois tudo se resume a três ou quatro grandes questões, como a necessidade de aumentar o orçamento do MinC, (para evitar que o próprio Estado use o mecenato como saída financeira emergencial), a importância de garantir o acesso democrático em todo o Brasil aos recursos captados via Lei Rouanet e, em conseqüência, assegurar o acesso democrático aos bens culturais produzidos com esses recursos públicos. Todas as demais dificuldades são conseqüências desses problemas básicos. Mas, como existem muitas possibilidades e caminhos de solução, é difícil ter um consenso sobre o que deve ser feito e sobre o tempo em que deve ser feito. Eu mesmo achava que deveríamos fazer tudo rápido no começo do governo, articulando com o congresso e os setores representativos da sociedade, mas, hoje, acho que houve vantagens no adiamento dessas formalizações. Esse tempo maior permitiu que todos discutissem, estudassem, amadurecessem e agora fica mais fácil tomar decisões mais consistentes e duradouras, com muito menos risco. As Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Cultura, lançado recentemente, consolida bases altamente consistentes e democráticas para orientar todas as políticas e ações daqui pra frente. É um mapa de navegação de alto nível, construído com ampla e diversa participação que vai facilitar a agilizar a tomada de grandes decisões. Na minha opinião, a melhor estratégia neste momento é viabilizar a máxima diversidade de fontes e formas de financiamento. Como temos no Brasil uma imensa diversidade, com inúmeros segmentos, características regionais e potencialidades, o ideal é dispormos também de um grande leque de possibilidades de fomento. Fundos Públicos, Isenção Fiscal, Editais, Patrocínios Diretos, Financiamentos Bancários, Empréstimos subsidiados, Fundos de investimentos, Capital de Risco, Marketing Cultural, Orçamentos Governamentais, loterias culturais, vales-culturais, redes de parcerias, consórcios intermunicipais de financiamento etc são exemplos de instrumentos, com suas falhas e virtudes, que, integrados, podem oferecer caminhos adequados a cada tipo de demanda. Em vez de extinguir as leis de incentivo fiscal, como defendem alguns, precisamos corrigir, democratizar, reinventar e multiplicar suas aplicações. Inclusive, buscando interligações entre os mecanismos municipais, estaduais e federais. A grandiosidade artístico-cultural brasileira precisa de muitos instrumentos nas diversas esferas do Estado e muitos instrumentos no âmbito do mercado, abrigados sob uma visão estratégica construída coletivamente, pensando o Brasil como uma grande potência da emergente economia criativa. LB - A Lei Rouanet é o instrumento adequado para preservar e promover a diversidade cultural de um país rico e continental como o Brasil? Como? SX - Reforçando o que já falei antes, enfatizo que a Lei Rouanet pode ser um bom instrumento, com os ajustes já citados, mas não deve ser o único. O Brasil precisa de políticas públicas de financiamento adequadas à sua diversidade, que atenda simultaneamente às metrópoles e às mais remotas comunidades. Precisamos de legislação e instrumentos flexíveis que possibilitem ajustar as formas e as doses certas de recursos privados e de recursos públicos para cada caso específico. Isso vale para as leis de incentivo e para outros mecanismos. É essencial ter políticas que busquem o ponto de equilíbrio, que definam o quanto de Estado e de Mercado é necessário em cada lugar, em cada segmento, em cada situação. Por isso, sempre defendi a escala ajustável dos percentuais de isenção no Imposto de Renda para os investidores na Lei Rouanet (variando de 30% a 100% conforme cada caso) e os Editais setoriais e regionalizados, para possibilitar eqüidade e transparência na distribuição dos recursos. Não há receita para definir as doses certas de Estado e Mercado em cada lugar. Nem se trata de uma questão ideológica, já que não nos parece viável, nos dias de hoje, pensar o Mercado e o Estado de forma separada, excludente ou antagônica. É um processo a ser construído em fóruns participativos, com base em critérios e conceitos democráticos e representativos, interligando todas as regiões do Brasil. O Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura – SNC, dois projetos articulados na gestão Gilberto Gil, já se apresentam como alicerces dessa construção. Diversos Conselhos já podem, na prática, definir prioridades de investimentos públicos em cada região e criar referências para avaliação de projetos, fortalecendo políticas transparentes e melhorando o foco da aplicação dos recursos. O programa Mais Cultura, recentemente lançado pelo MinC, com diversas parcerias, também fortalece a imprescindível integração de idéias, energias e recursos. LB - E a indústria cultural e o show business necessitam de um olhar mais atento do Estado? Que olhar é esse? Ele passa pela Lei Rouanet? SX - O Estado deve estar atento a todos os setores, sejam os mais frágeis, observando seus problemas e articulando políticas públicas que viabilizem soluções inclusivas, sustentáveis e democráticas, sejam os mais fortes, detectando potencialidades, garimpando padrões de sucesso que podem ser replicados, e articulando formas de multiplicar e fortalecer a economia da cultura. Para despontar no promissor mercado global da economia criativa precisamos sim apoiar e contar com os nossos melhores empreendedores da indústria criativa e superprodutores do show business. Para isso é necessário criar ações específicas, em novos patamares, com outros paradigmas, olhando muito além da Lei Rouanet. Uma das minhas últimas ações na Secretaria de Fomento foi o lançamento, no início de 2006, de um programa de circulação de artistas brasileiros nos Estados Unidos, em parceria com o Broward Center, um dos maiores centros culturais americanos, que integra uma rede com mais de 120 centros culturais. Com o ministro Gil, Antonio Grassi, Célio Turino e outros colegas, lançamos o programa em Miami e Nova York visando fazer nossa arte ingressar de forma estruturada no fabuloso mercado de U$ 600 bilhões, da economia da cultura americana. Este espaço está à espera dos produtores e artistas brasileiros e a articulação governamental é fundamental para gerar escala, velocidade, diversidade e permanência. E para estar lá de forma competitiva é preciso unir potencialidades artísticas com alta capacidade de produção e realização. LB - O MinC depositou a responsabilidade pelo mau uso da lei ao mercado e às empresas patrocinadoras. Qual o papel desses dois agentes neste cenário? SX - Para funcionar bem, a lei exige três competências. A primeira: Produtores qualificados, com capacidade para elaborar bons projetos. Não haverá acesso democrático aos recursos se não houver capacitação. Não haverá competição equilibrada para disputar editais se não houver acesso a qualificação. A segunda: Empresas responsáveis e conscientes do seu papel no desenvolvimento sócio-econômico-cultural. A terceira: Estado qualificado para articular políticas públicas, assegurar direitos, gerenciar os processos e garantir os suportes necessários para os trâmites de análise, aprovação, acompanhamento e fiscalização dos projetos, para assegurar boa aplicação dos recursos. Portanto, não podemos culpar esse ou outro agente de forma isolada. A qualidade do nosso Estado e do nosso Mercado é proporcional à capacidade de percepção e mobilização da nossa sociedade. Em nenhum campo haverá evolução democrática e duradoura sem a participação ampla da sociedade. Portanto, cabe fazer o que o MinC está fazendo: reclamando recursos, lutando para melhorar a estrutura, a qualificação dos seus quadros e articulando, discutindo, despertando, propondo, persistindo; cabe fazer o que os artistas e produtores estão fazendo: reclamando melhorias, verbas, valorização, inovação. Acho que a articulação do MinC com a rede de artistas e produtores culturais de todo o Brasil é o caminho mais curto para avançar na sensibilização do governo e da sociedade e promover saltos nas políticas de fomento e nos orçamentos. E as condições foram construídas e estão estabelecidas com as Câmaras Setoriais, Conselho Nacional de Políticas Culturais, Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, Plano Nacional de Cultura e outras instâncias e canais de interação democrática. LB - O programa de governo do primeiro mandato de Lula prometia mudanças na Lei Rouanet, tanto no Mecenato quanto no Fundo Nacional de Cultura, considerado uma “caixa-preta”. Houve algum avanço nesse sentido? O que ainda pode ser feito, em sua avaliação? SX - Durante nossa gestão na Secretaria de Fomento, implantamos o Conselho do FNC, com representantes de todas as unidades do MinC com o objetivo de definir critérios transparentes de seleção de projetos. Realizamos dois processos seletivos históricos, onde os projetos foram escolhidos de forma participativa e usando critérios rigorosamente isentos, divulgados no site do MinC. Sei que o Ministério continua com esse mesmo compromisso e está aperfeiçoando permanentemente esse processo. A maior parte do pouco recurso disponível no FNC está sendo disponibilizada via editais e processos seletivos nacionais e transparentes. Essa idéia de “caixa-preta” talvez exista por falta de maior conhecimento do que o MinC está realizando com os recursos do orçamento direto. Talvez falte uma divulgação mais estruturada, didática, demonstrando o conjunto de ações e aplicações, com o somatório de todos os editais e programas. Acho que é uma coisa fácil de resolver. O que é mais difícil é obter recursos em volume suficiente para fazer o FNC funcionar de forma ideal e reduzir a insatisfação de diversos setores que sempre se queixam, e com razão, da falta de financiamento. LB - Você acha factível a proposta de criação de um fundo não contingenciável, como quer o MinC? Esse fundo já não é o FNC, que é parte integrante da Lei Rouanet? É preciso sacrificar o mecenato pelo fundo, ou são coisas de natureza distintas? SX - O orçamento de qualquer governo passa por contingências e é necessário considerar isso para não flutuarmos num mundo irreal. O problema maior do FNC é ter um orçamento tão pequeno que, mesmo sem contingência, não consegue suprir as demandas básicas. Um orçamento maior, combinado com outras fontes e mecanismos, certamente permitiria um melhor gerenciamento. O mecenato e o FNC são coisas distintas, com fontes financeiras específicas e independentes. Não há necessidade de sacrificar um para melhorar o outro. Com uma economia aquecida e uma arrecadação de imposto crescente o volume captado pelo Mecenato não gera qualquer impacto relevante nas contas do governo. Se compararmos o incentivo à cultura com o incentivo a outros setores da economia, veremos que é ínfimo. O produtor Paulo Pélico tem feito pesquisas e falado sobre isso com propriedade. Acho que o Minc chegou nos limites das possibilidades criativas dentro dos suas fronteiras administrativas. Para dar novos saltos é necessário uma decisão de Governo que adote novos paradigmas e reserve um orçamento adequado para a cultura. O PNC, o Mais Cultura e as últimas idéias lançadas pelo MinC em busca de soluções financeiras trazem otimismo e boas expectativas sobre o aumento dos recursos para investimento em cultura. Se forem apoiadas, não tenho dúvidas que vão gerar resultados altamente compensadores. Mas é sempre um processo que exige persistência e paciência, por depender de muitas articulações. Nota do Autor: Sérgio Xavier é jornalista, gestor de projetos culturais e empresário da área de comunicação digital. Um dos fundadores do Partido Verde no Brasil (1985), foi Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente (1998) e Secretário de Fomento e Incentivo do Ministério da Cultura (2003 a 2006). Fundou o Instituto InterCidadania - Organização de Interesse Público, voltada para projetos de cultura digital e desenvolvimento sustentável – como o iTEIA - Rede Colaborativa de Cultura e Cidadania. Atualmente dirige suas empresas: SX Brasil e InterJornal - instaladas no pólo de inovação tecnológica do Recife, onde está desenvolvendo projetos de redes colaborativas de cultura e informação livre na internet, como o portal AchaNoticias – buscador de notícias em língua portuguesa.
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