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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
09/05/2008 - 17h04
O jogo
 
 

- Par.

- Impar. Um, dois, três e já!

- Ganhei! A bola é nossa.

Era um jogo de futebol aguardado há muito tempo pela turma do Carlinhos. Era contra “o time da rua” do Cabeça, que ficava distante duas quadras. O jogo aconteceria em frente à casa do Carlinhos, na rua mesmo, tendo como “gramado” o chão batido. As goleiras mediam um passo “dos grandes” do Flavinho, atacante do time do Cabeça, e eram marcadas com dois tijolos deixados no chão. Logicamente, não havia travessão. As demarcações “do campo” tinham como linhas laterais o começo das calçadas das casas. As linhas de fundo e central foram desenhadas.

A puída bola foi colocada no centro. Cada time tinha cinco jogadores de linha. Devido ao tamanho da goleira, não se colocava goleiro. Ficou combinado também que o jogo iniciaria naquele momento e só acabaria quando o sol houvesse se “posto”, e não fosse mais possível enxergar a bola. Quem perdesse a partida pagava um refrigerante de 2,5 litros ao adversário.

O jogo começou com certa vantagem para o time do Cabeça, que logo no inicio marcou dois gols. Além da abertura do placar, os problemas de se realizar aquele jogo no meio da rua também começaram, apesar de já ser praxe. O primeiro episódio aconteceu com a Dona Odete, conhecida como “Índia” pelo pessoal do bairro. Ela passava até com certa distância do campo de jogo. Porém, no calor do jogo, e sem medir as conseqüências, durante um ataque do time do Cabeça, o Gordo, zagueiro do time do Carlinhos, afastou a bola para fora do campo com um “bicão” para cima. E, com uma falta de sorte danada, a bola caiu na cabeça da Índia, vindo a derrubar os seus óculos. Por sorte nem arranhou. Os xingamentos “ofertados” pela Dona Odete paralisaram a partida por alguns instantes, porém, logo foram esquecidos e jogo recomeçou.

O placar marcava 6 a 3 para o time do Cabeça quando o jogo sofre nova paralisação, desta vez por causa de uma “batida”. Foi em uma disputa aérea pela bola, no meio “do campo”, o Banana e o Maninho chocaram-se de cabeça. O Maninho nada sofreu, mas o Banana não teve a mesma sorte. Um corte abriu-se na nuca. Uma grande quantidade de sangue escorreu, o que assustou a todos. O Juca da Barbearia, que fica na esquina da rua, o conduziu até o hospital.

Passado o susto, o jogo reinicia, e logo no primeiro lance, novamente o zagueiro Gordo, ricocheteia a bola de canela, e ela acaba subindo. Sobe tanto que acaba batendo nos fios de luz. Foi aquela correria! Como os fios se tocaram, um princípio de curto-circuito iniciou, saindo grande quantidade de faísca.

Tranqüilizados por não terem interrompido o fornecimento de energia elétrica na rua, o jogo recomeça com o vantagem no placar para o time do Cabeça, com a diferença de um gol, 14 a 13. E essa aproximação no placar acirra os ânimos no “campo”. Faltas violentas, reclamações e discussões começam entre os dois times. E em uma dessas faltas, cometida pelo Cabeça sobre o Carlinhos na ponta-direita, durante a reclamação pela marcação, indignado, o Cabeça chutou a bola para o lado. Com uma precisão impressionante, a bola passou por dentre dois galhos de uma árvore e atingiu certeiramente o vidro da janela da sala do Seu Floriano. Quando os jogadores ameaçam correr, o Seu Floriano apareceu na janela e apaziguou:

– Eu sei como é. Já tive a idade de vocês! - Com o perdão do Seu Floriano, a bola foi colocada no local da falta e voltou a rolar.

O Sol já desaparecia no horizonte. A partida estava próxima do fim. Foi então que aconteceu o lance polêmico. O Carlinhos driblou três jogadores do time do Cabeça e chutou. A bola tomou certa altura e passou no alto dentre os dois tijolos (goleira). Como as “goleiras” não tinham travessões, o critério para validar um gol, neste caso, eram subjetivos. Dependia da altura, que ninguém sabia qual era a correta. Para uns foi gol, outros não. Gol esse que se validado empataria a partida. Daí iniciou a confusão! Foi aquele bate-boca, empurra daqui, ameaça dali, e com as provocações, o Carlinhos e o Cabeça começaram a brigar, com os demais jogadores apenas “incentivando”. Trocavam socos no meio da rua quando apareceu na janela de casa a mãe do Carlinhos, gritando:

– O que é isso Carlos! Passa para dentro! Vamos acabar com esse jogo. Onde já se viu brigar na rua! Passa para dentro!

E como o Carlinhos era o dono da bola, a partida se encerrou sem se definir o placar. Mas um novo jogo já está marcado para semana que vem...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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