– Alô! – E aí, vamos? – Com esse tempo? – Pô! Vai amarelar logo agora na semifinal, Denílson? – Está bem! Me pega em frente ao chaveiro às 18h... – Ok. Vamos de Kombi hoje. O resto da turma já confirmou presença. Era um daqueles jogos intitulado “do ano” para o time. Há tempos o clube não chegava a uma fase tão avançada de campeonato. Denílson e sua turma não perdiam um jogo. Era a “turma de fé”, como diziam, mas havia uma ponta de superstição também, pois desde que criaram a excursão para assistirem as partidas de futebol no estádio, o clube nunca mais perdeu. Exatamente às 18h14min a Kombi parou em frente ao chaveiro. Chovia torrencialmente há cerca de seis horas. Denílson embarcou na Kombi e logo o Fino lhe “atirou” uma cerveja e alertou: – Abre os trabalhos senão dá azar! A viagem prometia ser tranqüila como nas vezes anteriores. Porém, o primeiro percalço daquele dia não tardou em acontecer. A Kombi ano 77 tinha um problema nos vidros. Nenhum deles abria. Se abrissem não fechavam. Como tinha quatorze pessoas dentro dela, criou-se o chamado “bafo”, o que embaçou os vidros, principalmente o pára-brisa. Coube ao Paulinho a tarefa de limpá-los durante o percurso para melhorar a visão do motorista. Visão já prejudicada pela quantidade de chuva. Além do calorão dentro da Kombi, o problema maior foi quando o Viera soltou um peido. – Não me agüentei! - Argumentou. O Gilsinho (motorista) teve que parar a Kombi pela primeira vez. “Sufocados”, mesmo na chuva, todos saltaram para fora e abriram as portas. Aproveitaram a interrupção para dar a primeira urinada. – É a cerveja! - Falou o Chico, levando a gargalhar toda a turma. Passado o episódio do odor, a viagem recomeçou sem maiores transtornos, com o pessoal contando piada e tomando cerveja. Rodados alguns quilômetros, o Denílson, que estava sentado no banco da frente da Kombi, notou que o Gilsinho girava freqüentemente o volante para manter-se reto na estrada. Questionou, em tom de brincadeira: – Gilsinho, meu velho! O Kombão tem folga na direção? - E ele redargüiu, sem tirar os olhos da estrada: – Tem uma folguinha, mas não é muita. Carregada dá mais ou menos duas voltas. - Denílson discretamente fez o sinal da cruz. Chegaram ao estádio por volta das 20h. Pararam apenas mais três vezes no caminho, mas por necessidades fisiológicas. O jogo iniciava às 20h30min, mas como haviam enviado o Gérson para a compra antecipada dos ingressos, não se preocuparam com o avançado horário. Encontraram-no no local combinado. O Gérson estampava um sorriso de “orelha a orelha”. Parecia ter feito algo grandioso. Logo descobriram o motivo. – Vocês nem sabem, consegui os ingressos de graça, junto com a torcida organizada! - Exclamou. Ele só não apanhou da turma porque o jogo já estava quase começando. O local onde ficava a torcida organizada era desprotegido da chuva, sem contar que a referida torcida pulava o tempo inteiro, prejudicando o assistir da partida. Sem falar também... Deixa pra lá! Entraram no estádio e se posicionaram no melhor local encontrado. Pararam próximo a uma queda de água. Conforme o vento, os quatorze eram molhados. A torcida já fazia a sua festa. Pulava, cantava e tremulava as suas bandeiras. A turma não deve opção: teve que entrar no embalo. As centenas de pisadas nos pés, a chuva, a pouca visibilidade do campo, tudo foi esquecido e compensado aos 39 minutos de jogo, quando o atacante adversário, vindo ajudar a sua defesa em um escanteio, fez um gol contra. Festa! O time estaria, após muitos anos, novamente em uma final. Denílson e sua turma se abraçam e prometem centenas de coisa caso o time seja campeão. O Guga chegou a dizer que desfila pelo centro da cidade só com a sua cueca com o logotipo do clube. O Breno que casa. O Marquinho que vem ao jogo de bicicleta. E assim por diante, todos acabam prometendo alguma coisa. Fim do primeiro tempo. O segundo tempo é de completa aflição. Faltam poucos minutos para o término da partida. A final está próxima. O Paulinho já está de joelhos, o Viera de costas para o gramado e o Chicão toma uma cachaça no bico para espantar o nervosismo. São decorridos 44 minutos do segundo tempo, o mesmo atacante que fez o gol contra dá um chute a gol de longa distância e o pior acontece. O goleiro vai na bola de forma atabalhoada e leva um “senhor frango”. Gol! Jogo empatado. Pelos critérios, o time está fora da final. O sonho acaba. Decepcionados e irritados, saem do estádio, e enquanto atravessam caminhando o embarrado estacionamento, com o Gilsinho à frente da turma, discutem arduamente a participação de cada um no que classificam como “fiasco da história”. É o presidente do clube, o diretor de futebol, o técnico, o goleiro, o árbitro, todos são culpados pela desclassificação. Foi então que, o Gilsinho interrompe a caminhada e murmura: – Meu Deus! - E leva a mão ao peito. Apesar do tom de voz, ele é escutado. Todos param. Segundos de reflexão. Um silêncio paira no ar. Olhos atentos. E a trágica constatação: – Cadê a Kombi?
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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