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04/10/2007 - 11h00
O preço do segredo
Eduardo Góis
 
O que teria sido da vida do casal Walfredo e Samira se eles escondessem o segredo?

Era para ser um dia como qualquer um outro na vida de Walfredo Mendonça, de 30 anos, morador de Cunha, no interior de São Paulo. Realmente, a sorte estava do lado deste modesto pedreiro, de mãos calejadas e rosto queimado do sol.

Ao caminhar pelo barranco que desce para minúscula rodoviária da cidade, de pouco mais de 8 mil habitantes, Mendonça se deparou com uma maleta preta no meio do caminho. Logo, pensou: "Será que está cheia de dólares, como nos filmes?", algo que não seria tão difícil, se for levado em consideração que Cunha é um pólo turístico em trabalhos artesanais, principalmente em argila, e atrai muitas pessoas de todos os lugares durante o ano.

Não deu outra. A primeira coisa que o pedreiro fez foi, disfarçadamente, esconder a maleta na sua caixa de ferramentas e sair de fininho. Chegando em casa, como em todo pôr-do-sol, por volta das 17h30, sua mulher o recebe com um beijo e pergunta como foi o seu dia. Ele, meio sem graça, responde:
- Foi normal, amor!
- Tem certeza, meu lindo? - pergunta Samira, que é a sua esposa. - Você me parece estranho, querido - falou Samira.
- Impressão sua. Estou só cansado e vou tomar um banho - respondeu Walfredo.

Ao falar isto, ele entra no banheiro com sua caixa de ferramentas e...
- Você vai tomar banho com a caixa de ferramentas, Walfredo? - perguntou Samira.
- Hum... vou. Está suja de cimento - disse Walfredo, com um sorriso amarelo no rosto, batendo a porta do banheiro na cara da esposa.

Sem entender nada, Samira volta aos seus afazeres domésticos rapidamente, pois está quase na hora da novela das seis. No banheiro, o pobre Mendonça travou uma luta sem fim com a maleta. Nada que existia lá dentro servia para abri-la, desde a escova de dentes, até o sabonete, pra ver se deslizava os dedos mais facilmente nas trancas. Ele começou a perder a paciência, até que gritou um palavrão, daqueles bem feios pra escrever aqui.

A patroa se espantou com o grito e perguntou:
- O que está acontecendo, amor?
- Nada - respondeu Mendonça. - Apenas tropecei aqui no cesto de roupa suja.
- Querido, acho que você está um pouco estressado, tá trabalhando demais. Depois fica assim.

Passadas algumas horas, o pobre pedreiro viu que não ia ter jeito. Talvez uma bomba resolvesse. Então, ele resolveu, até que enfim, tomar banho.

Depois de uma semana pra cima e pra baixo com a maleta, e já chamando a atenção de alguns fofoqueiros da vizinhança, ele resolveu contar a verdade para Samira. Então, os dois juntos, decidiram fazer a última tentativa, que era descer o machado, isso mesmo, descer o machado na pobre maleta preta aveludada.

Desesperados, começaram o trabalho de corte. No entanto, o sucesso na atividade não foi absoluto. Apenas umas lascas foram arrancadas, após horas de trabalho jogadas fora.
- Amor, sabe qual é a solução? Vamos entregar para a polícia - disse Samira.
- Você tá maluca?! Se aí dentro tiver dinheiro, eles nunca vão entregar pra gente! - falou Mendonça, bastante irritado.
- Querido, e se não existir nada de valor? Você estará alimentando uma ilusão - respondeu a dona-de-casa, com um olhar de tristeza.

Depois de uma bela discussão, o casal chegou a um senso comum. Os dois resolveram ir até a delegacia da cidade. Mal sabiam eles que o dono da maleta já tinha prestado queixa da perda da sua querida maleta e estava na delegacia naquele exato momento.
Era um turista gaúcho, que media quase dois metros, se chamava Juventino Oliveira, já de certa idade, por volta dos 65 anos. Guardava, por aquele objeto, um amor inigualável.

Ao pôr o primeiro pé na porta da delegacia, e avistar tal figura esquisita, o casal foi surpreendido pelo berro do gaúcho Oliveira:
- Mariútaaaa!

Oliveira correu e já foi tomando a maleta da mão de Mendonça, que não entendeu nada do que estava acontecendo. Depois de horas de explicações, entre outras coisas mais, revelou-se o que continha aquela misteriosa maleta de chumbo coberto de veludo. Na verdade, era uma urna de cinzas da falecida esposa de seu Juventino Oliveira, que se chama Mariúta Vieira, que era descendente de italianos e o conheceu na década de 40. Tiveram um relacionamento, mas ela morreu de tuberculose, apenas um ano e meio depois deles se conhecerem em Porto Alegre.
O amor foi tão intenso que depois da sua morte o gaúcho não teve mais nenhuma outra história de amor e carregava as cinzas pra todo quanto era lugar que andava. Em visita a Cunha, deixou a maleta cair da sua bagagem, enquanto a guardava no porta-malas do táxi.

Depois de tudo, pra felicidade geral de todos, o "tiuzinho" resolveu dar uma recompensa pro casal de pombinhos atrapalhados.

Até hoje, ninguém sabe ao certo quanto foi a dinheirama. Mas deu para o agora ex-pedreiro Walfredo Mendonça montar sua pequena loja de material de construção e ainda pôr sua noveleira esposa como gerente do empreendimento.


Nota do Editor: Eduardo Góis (eduardo_gois_@hotmail.com) é estudante de jornalismo (Faculdades Integradas Teresa D’Ávila - FATEA de Lorena - SP).

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