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Entrevistas
13/09/2007 - 12h02
Direitos humanos e crimes cibernéticos
Thiago Tavares
 

Observatório do Direito à Comunicação - A SaferNet Brasil é a principal organização da sociedade civil quando o assunto é combate aos crimes de pornografia, ódio e racismo na Internet. Fundada em 2005 por um grupo de cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito, a Safernet tem estado na linha de frente dos questionamentos aos servidores internacionais que se recusam a fornecer informações à Justiça brasileira sobre pessoas que usam a Internet para cometer crimes contra os direitos humanos. Da mesma forma, a Safernet participa ativamente dos debates sobre a regulação da Internet no Brasil e no mundo, tendo feito severas críticas ao Projeto de Lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) atualmente em debate no Congresso Nacional. Confira a entrevista realizada por e-mail com o fundador e presidente do conselho diretor da associação, Thiago Tavares.


Quais são os principais crimes cometidos na Internet e com qual freqüência isso acontece?

A Internet é utilizada freqüentemente como meio para a prática dos mais diversos crimes. Existe uma grande incidência de crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), ameaça, falsa identidade e os chamados crimes financeiros, com destaque para as fraudes bancárias e a interceptação de informações pessoais, incluindo senhas de banco e números de cartão de crédito etc.

A SaferNet Brasil é uma ONG de defesa e promoção dos Direitos Humanos, de modo que o nosso escopo de atuação é restrito aos crimes cibernéticos contra os Direitos Humanos. Não atuamos nem desenvolvemos nenhuma ação fora deste escopo, de modo que não temos dados oficiais sobre a incidência dos outros crimes.

Com relação aos crimes e violações aos Direitos Humanos a pornografia infantil lidera o ranking, correspondendo a 40% de todas as denúncias recebidas no Brasil, em média. Em segundo lugar vem os chamados crimes de ódio e discriminação (racismo, neonazismo, homofobia, xenofobia e intolerância religiosa), com 29% de todas as denúncias e, por fim, temos os crimes de apologia e incitação à violência e aos crimes contra a vida (suicídio, linchamentos, assassinatos etc.), com 28%.

Vale dizer que de todas as denúncias recebidas pela SaferNet Brasil desde janeiro de 2006, 93,7% são referentes a perfis e comunidades criminosas no Orkut, site de relacionamentos da Google que tem 25 milhões de usuários no Brasil (3 em cada 4 internautas brasileiros).

[Clicando aqui você encontrará gráficos com a evolução no número de páginas únicas criadas por mês no Orkut, por tipo de crime]


O combate a esses crimes trafega no limite entre a necessidade de combatê-los e o respeito à privacidade na Internet. Muitas vezes, parece que há uma tendência de, em nome do combate ao crime, se abrir mão do direito fundamental à privacidade. Como lidar com essa questão?

De fato existe uma tensão dialética entre direitos fundamentais, assegurados pela nossa Constituição.

No Brasil os limites estão dados pela própria constituição e pela legislação federal infraconstitucional. Ao garantir o direito à privacidade e a intimidade, a Constituição explicitou e restringiu as hipóteses em que esse direito deve ser relativizado, em detrimento de outro direito fundamental: o da segurança. Essa previsão deriva do princípio geral de que o interesse coletivo está acima do interesse individual. Desse modo, o sigilo das comunicações (o que inclui a navegação na Internet) é a regra, o não-sigilo é a exceção. É isso que prevê a legislação infraconstitucional brasileira.

Entretanto, não só o Estado mas principalmente as grandes empresas de Internet violam e desrespeitam a privacidade e a intimidade dos internautas, ao coletar dados e informações sem prévia autorização, ao fazer das informações pessoais dos usuários um grande negócio transnacional e ao permitir que informações sensíveis sejam usadas por Estados autoritários com o objetivo de perseguir dissidentes e defensores dos direitos humanos, como na China e em vários outros países não democráticos.

É sabido que o Governo dos EUA, não raras as vezes, usa o argumento do combate à pornografia infantil, por exemplo, para tentar justificar a adoção de medidas que visam controlar o acesso a Internet ou permitir que o Estado monitore o tráfego de dados na rede e tenha acesso aos dados pessoais e os hábitos de navegação dos internautas.


O senador Azeredo (PSDB-MG) apresentou alguns meses trás um projeto para "combater os crimes na Internet", mas organizações da sociedade civil afirmam que o projeto, se aprovado, vai violar o direito à privacidade e estabelecer um controle abusivo sobre os internautas. Qual a sua avaliação sobre o projeto? [acesse o projeto clicando aqui]

O projeto apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo não atende ao interesse público. É um projeto patrocinado pelas instituições financeiras e pelas empresas de segurança, que objetiva transferir a responsabilidade e o custo das fraudes bancárias para os usuários e provedores de acesso e conteúdo à Internet no Brasil.

O projeto contém diversos artigos que são claramente inconstitucionais, porque violam direitos fundamentais como a privacidade, intimidade e colocam em risco a liberdade de acesso à informação e comunicação no Brasil. Em síntese, as críticas da SaferNet ao projeto são de três dimensões:

1) falta de transparência na tramitação

Desde novembro de 2006 o projeto vem sendo conduzido de forma velada, sem a participação da sociedade civil nem das partes diretamente interessadas como a SaferNet, o CGI.br, a Abranet etc. O Senador escolheu meia dúzia de interlocutores e deu a estes o poder de sugerir emendas, incluir ou retirar propostas, alterar a redação etc.

Uma coalização de 10 ONGs e centros de pesquisa como o CTS/FGV lançaram uma campanha on-line para recolher assinaturas e exigir a realização de audiências públicas para discutir as propostas contidas no PLS.

2) técnica legislativa

O PLS não atende aos requisitos da boa técnica legislativa, prevista no art. 59 da CF/88 e na Lei complementar 95/1998 [acesse clicando aqui]. A maioria dos artigos está redigida de forma confusa, dúbia, inconsistente. Essa redação escorregadia visa permitir uma ampla liberdade interpretativa pelo judiciário e pelas autoridades policiais, o que, certamente, provoca uma inaceitável insegurança jurídica e um risco real às liberdades e direitos civis fundamentais assegurados na nossa Constituição, pois poderá ser usado para justificar arbitrariedades cometidas contra os Internautas brasileiros.

3) mérito das propostas

A SaferNet publicou um estudo sobre o assunto, e que consolida as contribuições de três instituições: Abranet, Free Software Foundation América Latina e Safernet: [acesse clicando aqui]

Também está disponível uma versão em inglês: [acesse clicando aqui]


Os três maiores serviços de e-mail do país (Hotmail, Yahoo e Gmail), além do Orkut, têm sede nos Estados Unidos. Em função disso, segundo estas empresas, elas não estariam submetidas à justiça brasileira, o que traz dificuldades no cumprimento de ordens judiciais aqui no Brasil. Qual a sua avaliação sobre essa questão? Há alguma solução à vista?

Essa á uma estratégia comercial e jurídica das empresas multinacionais de Internet. Algumas empresas como a Google simplesmente ignoram as legislações nacionais dos países onde atuam e seguem unicamente suas políticas internas, que por sua vez procuram "harmonizar", a partir dos próprios interesses e conveniências, o entendimento acerca das leis aplicáveis nos diversos países em que atuam. O problema é que o sucesso dessa estratégia tem um limite, imposto pelas próprias legislações locais.

No caso do Brasil, o art. 1134 do Código Civil diz com todas as letras que "a sociedade estrangeira, qualquer que seja seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados". Assim, caso não tenha essa autorização, a GOOGLE INC. não pode praticar atos jurídicos no Brasil. Sua filial, por outro lado, tem plena capacidade processual e postulatória, por força do disposto no art. 88 do Código de Processo Civil.

Os desdobramentos do caso aqui no Brasil acentuaram o debate sobre a Governança Global da Internet e estão colocando em xeque a estratégia de disseminação - para não dizer imposição - do Direito (e jurisdição) norte-americanos como padrão para resolução de conflitos envolvendo a Internet no mundo.

A depender dos interesses comerciais em jogo, as multinacionais de Internet como a Google assumem outro tipo de postura. Veja os precedentes abaixo:

Precedente da Yara Baumgart no Brasil: [acesse clicando aqui]

Precedente chinês: "É muito arrogante chegar a um país e querer dizer para seus habitantes como se deve operar naquele local" Eric Schmidt, principal executivo da Google Inc: [acesse clicando aqui]

Para além de nossos casos concretos envolvendo pedofilia, racismo etc., o que está em jogo é a responsabilidade civil e criminal de uma empresa constituída sob as leis brasileiras (Google Brasil Internet Ltda), instalada em território nacional para explorar nosso mercado e ganhar dinheiro no Brasil.

O Orkut hoje é usado por quase 20 milhões de brasileiros. Suas páginas estão em português, e o conglomerado transnacional Google veio para o Brasil com claro objetivo de lucro. Há um serviço prestado em português, no Brasil e para brasileiros. Se prevalecer a tese dos advogados da empresa de que a filial não tem nada a ver com a história, estaremos penalizando milhares de pessoas que precisam eventualmente responsabilizar a filial brasileira por perfis ofensivos em relação aos quais a Google nada fez.


A Safernet estabeleceu uma consistente parceira com o Ministério Público Federal para combater alguns crimes cometidos na Internet. Em que consiste essa parceria e quais as principais ações que estão sendo implementadas?

O papel do MPF tem sido um verdadeiro divisor de águas no Brasil em relação à atuação do Estado Brasileiro em matéria de crimes cibernéticos contra os Direitos Humanos. Assinamos com o MPF em SP, 29/03/2006, um termo formal de cooperação técnica, científica e operacional [a íntegra pode ser baixada aqui].

Desde então passamos a centralizar o recebimento, processamento, encaminhamento e acompanhamento on-line das denúncias anônimas recebidas por ambas as instituições.

De lá pra cá o número de investigações no MPF-SP cresceu vertiginosamente. São 233 processos de quebra de sigilo de dados tramitando na Justiça Federal de SP sobre investigações instauradas pelo MPF-SP nos primeiros 18 meses de vigência do acordo com a SaferNet. A parceria também foi fundamental para resolver o problema da duplicidade de procedimentos instaurados e particularmente para a propositura da Ação Civil Pública contra a Google Brasil, em relação aos crimes no Orkut.

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