- Sente-se Seu Almeida... - Obrigado Doutor. Conte-me tudo, não esconda nada, seja franco... - Chegaram os resultados dos seus exames cardíacos. - E daí Doutor? - E... E... As notícias não são boas. - O que eu tenho? - Um problema grave no miocárdio... - Tem cura Doutor? - Infelizmente não! - Quais os riscos? O que pode me acontecer Doutor? - Serei franco... - Seja... Por favor! - Não há o que possamos fazer. O seu quadro clínico encontra-se muito evoluído, e qualquer tentativa de tratamento lhe causaria muito mais sofrimento do que a cura da enfermidade. E... E... - E Doutor? Fale logo! - Pelos meus conhecimentos e pelo histórico desta doença, a expectativa dos pacientes é de sobreviver em média a partir da descoberta... Seis meses. - Você está dizendo que tenho uma doença incurável e apenas seis meses de vida? - Infelizmente sim, Seu Almeida. Isso mesmo... Seu Almeida deixa o consultório médico resignado, abatido, depressivo. E assim permanece por uma semana, em uma introspecção total, pensando apenas no diagnóstico. A família estranhara esse seu “silêncio”, pois Seu Almeida sempre fora muito sorridente e falante. A esposa indagou-lhe várias vezes se algo estava acontecendo. Se havia ocorrido alguma coisa durante a consulta médica. A resposta era sempre negativa. Então, para surpresa de todos, saindo da tristeza e passando para uma euforia incontida, Seu Almeida convoca toda a família para um grande almoço. Motivo: celebrar a vida! No almoço, antes do brindar, Seu Almeida pede a palavra, e emocionado, sentencia aos presentes: - Estive no médico na última semana e descobri que estou com uma doença incurável no coração. Ele deu-me seis meses de vida. Não! Não quero lamentos nem choros. Como sei quando morrerei, tenho a obrigação de aproveitar cada segundo restante... Vamos brindar a vida! A partir daí, foi isto que realmente aconteceu. Seu Almeida começou a aproveitar a vida. Primeiramente, pediu demissão do emprego que odiava (Na qual trabalhou anos), e virou DJ, seu velho sonho da adolescência. Deu mais atenção à esposa, sendo que fizeram aquele passeio prometido há anos, mas que nunca acontecia. As pescarias com os netos saíram “do papel”, assim como as caminhadas no fim do dia, o futebol e as visitas aos amigos, o parar de fumar, a leitura daquele livro, o trabalho voluntário, o plantar da árvore etc. Feliz! Assim sentia-se Seu Almeida. Aproveitou os últimos seis meses de sua vida como nunca fizera. Porém, o suposto fim aproximava-se. A família ainda insistira para consultar um novo médico, mas ele não quis. Quando faltava um dia para completar seis meses da fatídica visita ao médico, Seu Almeida resolve ir a uma funerária, pois queria ele próprio tratar do seu velório. Foi então que, ao tentar atravessar a rua em frente à funerária, ele cometeu um erro primário: não olhou para um dos lados da via de mão dupla. O ônibus que vinha em alta velocidade ainda tentou frear, mas era tarde de mais. Seu Almeida ainda fora atendido no local com vida e levado a um hospital, mas não resistira aos ferimentos. O jornal da cidade do dia seguinte trazia no obituário o anúncio da morte do Seu Almeida, e a manchete: - Falso médico cardiologista é preso na cidade.
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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