Eram duas garotas de 16, 17 anos parando as pessoas na rua para pedir dinheiro; diziam que era para o ônibus. Um homem bem mais velho passa perto e diz, com ar malicioso: "Olha só, para o ônibus não tem, mas... se for para tomar uma cerveja eu dou". Ele acendeu um cigarro. Elas trocaram um sorriso e aceitaram. - Um whisky para mim. E vocês? - Pó de guaraná! - gritou a ruiva. O berro, ouvido em todo o balcão, trouxe junto uma gargalhada. Estava ligeiramente alterada. A loura coloca a mão no ombro dele e diz: - Cá estamos, Olavo, não é esse o seu nome? - Que Olavo? Maurício! -, diz o sujeito, enquanto elas riem de novo. Elas dizem que Maurício é melhor, Olavo é nome de velho. Ele se excita com o timbre infantil das garotas. - Gostam de tirar onda comigo, não é? -, ele tenta criar uma certa intimidade, usando uma gíria gasta. Elas combinam de ir ao banheiro e saem de mãos dadas. Sensualidade e juventude eram o combustível da imaginação do homem naquele momento. Param em frente ao espelho para retocar o batom. - Qual é a desse cara? - Ele é casado. - Coroa safado. - Como você sabe? - É o tipo do cara que está a fim de se dar bem, sabe? - E é casado. Disfarça bem, mas toda hora fuça o celular. - É, pode ser. Mas qual vai ser? Vamos tomar umas, e ...? - Vamos roubar ele. O som da casa é alto, o pessoal dança no meio do salão e as duas passam desviando dos corpos que pulam, se mexem, se agarram. Tudo muito colorido, as luzes fortes, uma mistura de suor e perfume impregnando o ambiente. O cara está sentado e olha as mulheres na mesa ao lado. Não percebe que está sendo observado. - Olha lá, é um galinha! - Tá se achando o garanhão. Elas chegam, a ruiva parece desconfortável. Por um segundo se arrepende, ou melhor, acha que poderia estar fazendo coisa melhor. - Hoje é o paspalho aqui -, resmunga, olhando para o camarada. A loura tem o domínio, dirige a cena e a corrige, sorrindo: - Filhinha de papai, tá com medo é? A ruivinha sorri, com ironia, e se levanta, vai até o interior do bar. Lá dentro, um homem acena para ela, discretamente. Ela fixa o olhar para ver quem é, está sem lente, chega mais perto. Reconhece o amigo, e fica conversando com ele. - E então, a gente podia dar uma esticada? - Será, estou meio cansada... - Vai fazer o quê, então, voltar para casa? - Queria me jogar na primeira cama que encontrasse. - Isso pode ser resolvido. Ele diz e dá uma risada; ela balança a cabeça, negativamente, mas ri também e ele sente confiança. Segura a mão dela, que se aproxima e eles se beijam, demoradamente. O trânsito está bom àquela hora da noite e eles chegam rápido. O prédio de 4 andares tem um aspecto agradável. O porteiro abre o portão, espiando por cima dos óculos. Maurício o cumprimenta sem entusiasmo e o casal entra. Na escada, ela conta uma piadinha de porteiros que ele nem escuta direito. Está ansioso, e procura disfarçar, sem sucesso, a preocupação com a vizinhança. Ninguém os vê chegar ao 401. A chave trava na fechadura, ele força e a maçaneta cai, fazendo barulho. A moça ri, enquanto ele se agacha para pegar o objeto. O apartamento também é legal, tudo novinho, sala gostosa, simples e funcional. Havia se mudado há 6 meses, diz para ela. Separou da mulher, os dois filhos estão na universidade "Graças a Deus". Ela ouviu com ar cínico e debochado. Ele nem notou. - Bom, Aninha! Ana Flávia, não é esse seu nome? - É sim. Maurício, você me dá um minuto? Vou ao banheiro e já volto... Que tal pegar dois copos, trazer uma cerveja? O jeito de menina o deixava maluco. As lembranças sumiram, ele rapidinho se mexe. - Onde estão os copos? - Fala alto, tropeça na mesinha. No caminho para a cozinha, liga o som. O volume suave é próprio para a noite de amor que se anunciava, agora ele tinha certeza. Sente o cano frio nas costas e a ficha cai de imediato. Fica com medo, mas não se mexe e pergunta: - O que quer? - O que acha, otário? - Estou sem dinheiro aqui. - Não brinca. - Não estou brincando. - Mas como pode? Ele começa a chorar, volta a falar nos filhos, na ex-mulher. O suor frio escorre pelas ventas, chega a soltar gases, mas reprime com medo da mulher que o ameaça. - Desgraçado! Sem educação também! Então você acha que eu ia querer alguma coisa com você, seu velho corno! Brocha! Seu merda! Olha só, todo coitadinho falando da esposa, dos filhos... Mas estava lá comigo e a minha amiga! "Tenho dinheiro para cerveja" Ela imita o jeito dele falar, e depois empurra Maurício de novo para a sala, ele cai encolhido no sofá. - Vamos lá, o que é que vai ser? Quero o din-din! Ele tira a carteira do bolso e mostra poucas notas de dez e cinco reais. Ela dá um tapa no rosto dele. - Vamos a um caixa eletrônico tirar mais dinheiro. Ele concorda e ela se vira mais uma vez para ver o aparelho de DVD na estante. Ele desfere um pontapé na panturrilha da mulher, do lado em que ela segura o revólver. A arma cai perto do sujeito. Ele nem pensa, pega o pequeno revólver e dá quantos tiros consegue, até ela cair na frente da TV. Ele ajeita os cabelos e enxuga o rosto com o paletó. Sente que a vida nunca mais será a mesma depois daquela noite. Nota do Editor: Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.
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