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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
27/04/2007 - 14h05
Amor, valores e limites
 
 

O festejo na despedida do Major Porfírio, pela primeira vez o emocionara dentro do exército. Os anos que passara servindo a corporação tinham-lhe dado os valores e a ética, para segundo a sua crença, tornar-se um grande sujeito. Saía com o sentimento de dever cumprido, pois tinha disciplinado centenas de recrutas, com a melhor ordem e conduta que um homem carece ter. Era viúvo há quase 15 anos. Aposentar-se-ia para se dedicar a sua outra paixão, o piano. Até já tinha se matriculado em um curso para aperfeiçoar-se.

Viveu uma vida íntegra, correta, sem nenhum deslize moral. A carreira militar ensinou-lhe ser duro e extremamente disciplinado, a ponto de separar suas cuecas pela cor. Dificilmente sorria. Mantinha um bigode bem aparado que passava a impressão de ser uma pessoa extremamente ranzinza. Exigia da rua onde morava a disciplina que conduzia a sua vida, isso lhe gerou inúmeras brigas com os vizinhos.

Como vivia sozinho, o piano sempre lhe fora a melhor companhia. Já tinha iniciado o curso três vezes, nunca o acabara, sempre alegava falta de tempo. Tempo esse que terá de sobra agora com a sua aposentadoria. Não gostou inicialmente da idéia de dividir a professora com outro aluno, mas como era a aluna, o major preferiu não polemizar. O entrosamento com essa aluna, chamada Berenice, foi aumentando com o decorrer das aulas, de forma muito inesperada, ambos tinham a sensação que se conheciam há anos.

Os mesmo interesses musicais, literários, televisivos... Etc. Reacendeu no major a flâmula da paixão, não falhava uma aula, e não resistindo aos encantos de Berenice, mesmo muito sem jeito, afinal, há anos não se relacionava com uma mulher, convidou-lhe para um jantar.

O namoro já estava completando um mês quando o major mencionou a Berenice que não conhecia a sua casa, e que iria visitá-la no sábado. Uma apreensão apoderou-se de Berenice. Replicou um não nervosamente. E chamo-o para uma conversa no sofá.

O que é certo ou errado nesta vida? Indagou-se o major. Ficou a pensar nesta questão, incomunicável, trancado em casa, por dois dias ninguém o viu. Saber que Berenice era casada, tinha um filho de dois anos e meio, mexera de mais com o ser Porfírio. Ela dissera que estava separada do marido, e que só permanecia em casa a pedido dele, pois queria ver o filho criado até os quatro anos com os pais, e que depois disso, apesar de amá-la, Berenice poderia ir viver sozinha.

Nestes dois dias em que o major tivera fechado em casa, Berenice ligara centenas de vezes, não fora atendida em nenhuma, queria explicar-se melhor, pois Porfírio a expulsara de sua casa no meio da conversa. Apesar dos insultos que recebera do major, Berenice não se magoou, entendia-lhe a raiva, por isso lhe procurou ao terceiro dia.

Ao chegar à casa do major, estranhara o gramado cheio de folhas e as janelas fechadas. Chamou-o pelo nome, sem resposta. Forçou o trinque da porta da frente, estava chaveada. Fez a volta na casa, repetiu a ação, a porta abriu-se. A casa estava com cheiro de mofo, tudo jogado ao chão, parecia que um furação por ali passara. Gritara: - Porfírio! Porfírio! Dirigiu-se ao quarto, a porta encontrava-se encostada, abriu-a. Um não ecoou pela casa. Encontrara o corpo do major jogado ao chão, com um tiro na cabeça. Lágrimas rolaram, abraçou o corpo, olhou para cima indagando Deus, então, notou na parede pichada, os últimos escritos de Porfírio:

Suicido-me por amor! Meus valores não nos deixariam vivermos em paz...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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