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Contos
04/10/2006 - 05h26
Meu Grill George Foreman
André Falavigna
 

Poucas coisas na vida são mais confiáveis do que George Foreman, seja lá sob qual forma o homem se manifeste. Como boxer, pastor, reprodutor ou utensílio doméstico, sua consistência é inegável. Isso para não falar da coerência interna e externa inerentes a Big George. É impressionante como uma manifestação de George Foreman sempre traz, consigo, alguma coisa de todas as manifestações de George Foreman, e como todas elas identificam-se de alguma maneira com uma idéia que, em última análise, é George Foreman. Até o apelido.

Big George.

Serve para apelidar não só o pugilista, mas o pastor, o grill, o pai de família, a homepage e o que quer mais que diga respeito a George Foreman. Provavelmente, até o membro viril de George Foreman leva o apelido de George Foreman.

O sujeito tem 10 filhos com determinada esposa. Cinco de cada sexo conhecido. Os machos chamam-se George Edward Foreman, e podem ser diferenciados entre si por algarismos romanos pronunciados como números ordinários. Uma das fêmeas chama-se Georgetta. Eu nunca vi a cara de nenhum deles, mas aposto o que vocês quiserem que não devem ser muito diferentes do grill, pelo menos na essência. Eu vi o troço funcionando e desisti de comprar um cão de guarda. Tenho medo de que, na minha ausência, minha jovem esposa traia-me com o aparelho. É uma coisa assombrosa, uma temeridade, uma força da natureza.

Ainda não sei se funciona para cozinhar bem. Mas deve funcionar. Há até um autógrafo de George Foreman encimando a estufa de pães. Uma coisa com uma assinatura dessas funciona para tudo. Ainda que George Foreman, ou seu grill, ocupasse algum cargo em algum governo de esquerda em algum lugar do mundo em alguma época, caso a assinatura de qualquer um dos dois estivesse sob os diplomas legais desses governos (no caso do grill, regimes), eles funcionariam e pronto. Isso é para vocês verem.

Ousei utilizar o recém-chegado aparelho para preparar uns hambúrgueres que eu mesmo fiz. Tenho a impressão de que, quando o liguei, a iluminação pública intimidou-se. E não se pode culpá-la. Acho que, se não tivessem acabado com Sete Quedas, seria desnecessário importar o eletrodoméstico. Resta o consolo de saber que valeu o sacrifício.

Cada hambúrguer tinha 150 gramas de uma mistura de patinho (para quem não sabe, é corte de primeira), pão de forma embebido em leite, sal, alho, pimenta-do-reino, gema de ovo e salsinha picada. Eram tão grandes que não couberam mais do que dois de uma vez na chapa. Um round tem três minutos, e eles foram liquidados no segundo assalto. Os despojos foram para uma bandeja coletora de gordura. Os hambúrgueres, ou o que restou deles, ficaram ligeiramente secos, o que prejudica o sabor. Caso o leitor não saiba, eu explico: menos gordura, menos sabor.

Mas isso não importa. Eu, acredito, li mal o manual fornecido. Li-o como certos crentes ou como todo ateu lê a Bíblia: mecanicamente, cheio de medo, cheio de defesas. Se abrir meu espírito ao singelo documento, meus hambúrgueres sairão tão suculentos quanto se possa imaginar. O que importa é que, uma vez mais, George Foreman deu conta de um assunto. Sem falhas, sem hesitações. Firme e sólido, decidido e seguro de si, sereno, compacto. Eu diria que a máquina georgeforemanizou meus hambúrgueres. Emprestou aos dois pedaços de comida crua qualquer coisa de peso-pesado, de terra arrasada. Em breve, os hospitais de todo o mundo civilizado estarão utilizando o aparelho. Tenho certeza. E não vai ser para cozinhar. Ele tem de ser útil às cirurgias de transplante de órgãos. Não me perguntem como. Apenas vejam-no funcionando e depois me digam se não ficaram com a mesma impressão.

Não é coisa para mocinhas. Nem para são-paulinos. Sim, eu sei: ele promete eliminar o máximo de gordura, o que é são-paulinismo em estado puro. Mas não se trata de nenhuma vocação retal propriamente dita. Ele elimina mesmo, mas suspeito que é só se você pedir. Queriam o quê? Que ele vendesse a máquina dizendo que ela é capaz de preparar comida de verdade? Quase ninguém que compra essas coisas compraria uma da qual se dissesse isso. É perdoável, portanto, que se apele a um ponto colateral e assessório do aparelho, para fins comerciais. Porque a verdade a respeito dele seria demais para a maior parte das pessoas. Quem sou eu para julgar Big George?

Lá em casa, minha jovem esposa está proibida de tocar no grill. São os riscos decorrentes de se gozar de um benefício desses sob o nosso teto. Em compensação, não preciso mais de arma na gaveta. Nem o PCC seria louco de tentar invadir uma casa em cujo seio pudesse ter que enfrentar um troço daqueles, mesmo desligado.

Hoje vou experimentar um fazer frango nele. Desconfio que nem seja necessário matá-lo, sangrá-lo, depená-lo, essas precauções. Jogo ele lá e pronto. Tudo se resolverá. Mal vejo a hora de conferir.


Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

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