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Entrevistas
21/09/2006 - 15h19
Obrigado, Jorge Amado
Karen Santos - Agência Carta Maior
 

Quem ronda a fase quarentona da vida conheceu Sônia Braga como Ana Maria, do programa infantil Vila Sésamo, no início dos anos 70. Foi crescendo com ela vendo A Moreninha, depois Gabriela, Cravo e Canela - primeiro a novela, depois o filme -, Dona Flor e Seus Dois Maridos... De repente, sumiu. Foi viver nos Estados Unidos e só voltou agora, duas décadas e duas dezenas de filmes depois, aos 55 anos, em mais uma novela global. Antes de conhecer o estrelato, Sônia viveu de perto no final dos anos 60 o mundo sexo-drogas-e-rock’n’roll. "Salvou-se" aos 18 anos, quando foi parar no elenco da peça Hair e não largou mais a vida de atriz. Virou musa de Caetano Veloso, na música Tigresa - mas na entrevista por telefone não deu tempo de perguntar por que ela tinha muito ódio no coração. Na poesia, a personagem de Gabriela, de Jorge Amado, encontra sua mais perfeita definição num verso de Vinicius de Moraes - "uma mulher que é como a própria lua: tão linda que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua". Na vida real, segundo o próprio Amado, Gabriela só podia ser Sônia Braga. É a ele e a Zélia Gattai - antes de Ivo Pitanguy - que Sônia atribui a sua beleza. Trata-se, portanto, não de um produto fabricado pela mídia televisiva, mas antes, de uma obra da literatura brasileira.

Depois de tantos convites, por que só agora você aceitou voltar a trabalhar no Brasil?
Eu sempre estive aberta à possibilidade de voltar. O que aconteceu é que esses convites coincidiram com outros projetos meus lá fora. Sempre tinha um contrato, alguma coisa que emperrava. Desta vez, calhou de dar certo. Foi o destino. Parece que decidi de repente, mas não foi. Essa volta demorou quase dez anos para se concretizar. Meu manager estava negociando isso há tempos.

Havia muita cobrança do público para o seu retorno?
Muita. E que responsabilidade voltar em uma novela (risos)! Estou feliz por essa volta ser na Globo, que faz parte da história do que eu sou. Agora sou eu que estou andando pelas ruas falando: "Gente, voltei, sou a Sônia Braga, lembram de mim?" (risos).

Como lida com a ciumeira dos outros autores brasileiros que a convidaram para voltar e ouviram "não" como resposta?
São todos amigos queridos. Já avisei que eles não escapam de mim agora (risos).

Mas retornar agora é apenas uma escolha profissional? Ou não estavam rolando trabalhos legais nos EUA?
Já existia uma intenção minha de voltar fisicamente para o Brasil, tanto é que arrumei uma casa em Niterói (Rio). Mas não quero deixar os EUA. Gosto muito do meu estilo de trabalho lá. Sempre escolhi o que fazer, desde os filmes às pequenas participações. Se me apaixono por filmes simples, independentes, vou lá e faço. Fiz muitos projetos assim, coisas que não chegaram na tela grande, mas correram festivais, ganharam prêmios. O Beijo da Mulher Aranha era um filme experimental. Fiz seriados como Sex and The City. É uma honra ser convidada para séries assim lá. É como ser convidada vip em uma superfesta. Só não fiz teatro lá... Não sei o que acontece, não tenho essa relação com teatro. Recentemente filmei um projeto independente, The Hottest State, do Ethan Hawke, baseado em um livro dele. Acho que ainda não estreou por lá.

Você acha que o Brasil está muito diferente de quando mudou para os EUA?
Não me sinto como alguém que ficou muitos anos longe. Sempre estive passando por aqui, acompanhando o que acontece no país. Tenho família, amigos aqui. É onde tenho minhas raízes. Não consegui me desligar nunca. O que sei é que continuo com os mesmos sonhos de antes em relação ao povo brasileiro: que eles tenham a sorte de ter um destino como eu tive.

De suas personagens de novela qual te marcou mais?
Gabriela é uma das novelas mais importantes da minha vida, é a que fez a minha imagem.

Isso é o que ficou das personagens de Jorge Amado em você?
Se algum dia me viram como uma mulher bonita, a culpa é da Gabriela, do Jorge Amado (risos) e da Zélia Gattai. A brasileira não se achava tão bonita antes de Gabriela, não nos encaixávamos nesse "padrão de beleza" do mercado. Foi a Gabriela que abriu as portas para mim. Mas sou uma colagem de todas essas mulheres que fiz, das mulheres do Jorge Amado: Gabriela, Dona Flor... Sou grata a elas.

É verdade que quando foi fazer a Júlia Mattos de Dancin’ Days você pediu ao autor (Gilberto Braga) para inserir algumas frases piegas que você sonhava em dizer na TV?
É sim (risos). Eu pedi para dizer: "A porta de saída é a serventia da casa" e a outra era: "Veja só a pocilga onde vivo" (risos). Terríveis clichês que o Gilberto não queria de jeito nenhum colocar na novela. Insisti tanto que ele colocou e foi uma cena linda com a Joana Fomm. Um dramalhão (risos). Uma fala não vira clássica em uma novela até que você a fale.

É verdade que você decora o texto minutos antes de gravar?
É verdade. Leio e decoro palavra por palavra na hora de gravar. Não consigo fazer isto antes. Eu não falo direitinho o que estava escrito no texto. O Juca de Oliveira brinca que podiam emoldurar meus scripts, pois saem como obras-primas. Ainda mais um texto de novela, que te consome muito. É como um tsunami para o ator: passa e leva tudo (risos).

Como é carregar a imagem de sex symbol aos 55 anos?
Tomara que ainda me vejam assim, não é (risos)? Existem dois tipos de mulher bonita: a que sai para caminhar, chega no topo de uma montanha suada e com sua missão cumprida, e é linda, linda de viver. A outra é a que as pessoas acham bonita, uma imagem criada. Esta segunda é o que ofereço. Esta é a minha imagem.

E para manter essa imagem, valeu fazer plásticas?
Não tinha idéia de fazer, mas aí começou a crescer algo em minha pálpebra e procurei o Pitanguy. Imagine: queria alguém para mexer em meu olho e só podia procurar ele, não é? Ele disse: "Sônia, sabe o que eu faria? Faria algo para mudar essa sua fisionomia cansada". Pensei um pouco, pois tinha medo de mudar meu rosto, deixar de ser a Sônia Braga. As pessoas te conhecem de um jeito e um dia você volta e é outra pessoa. Fiz um lifting e fui logo contando para todas, parece traição não contar (risos). Aí, parei de fumar, voltei a malhar, mas engordei muito. Fiz plástica de novo e comecei a fazer escalada.

Ser um símbolo sexual não aumenta o medo de envelhecer?
Não. Por incrível que pareça não me sinto diferente de quando tinha 30 anos. As mulheres estão envelhecendo com menos medo, estão mais seguras, poderosas. Agora são os homens que estão correndo atrás, estão mais vaidosos, mais ligados no mundo para poderem acompanhar as mulheres. Quando entrei na menopausa, fiquei feliz com aqueles calores (risos). Eu pensava: "Nossa, se de repente me der aquele calor, e eu ficar ensopada de suor, será legal, vai parecer que saí de uma aula de ginástica sem ir a lugar algum". Chega desses preconceitos. É assim que a gente tem de lidar com a vida e com a morte, com tranqüilidade. O que importa é como a gente leva o cotidiano. Só isso.

Colaborou: Paulo Donizetti de Souza.

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