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Ano 1 - Nº 8 - Ubatuba, 17 de Maio de 1998
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· Amava Ubatuba assim como ela era
    L. C. Santos Pena
    articulista@ubaweb.com

"I don't want stay here
I wanna to go back to Bahia"

 

Conto uma pequena história para ilustrar:
Caminhando pelo corredor interminável, minha sala era uma das últimas, virei à direita e parei na porta da diretoria. Havia mais dois companheiros de infortúnio. As pessoas passavam apressadas, olhavam, e provavelmente se perguntavam: o que fizeram?
O diretor conversava com outras pessoas dentro de sua sala. Eu olhava para o lado de fora. À minha frente estava a porta da entrada principal, porta esta destinada ao pessoal administrativo e professores. Vedado ao aluno entrar ou sair pela mesma. Obedecíamos.
Duas senhoras saem da sala do diretor, nos olham, sorriem, e caminham para a saída. O diretor nos vê e pede para entrarmos. Apertamo-nos de encontro à parede como tentando fugir por dentro dela. Não seria mais possível. A porta grande de entrada estivera a alguns metros de mim e dos outros dois. Não sei o que pensaram. A tentação foi grande. O temor maior. O que diria para minha mãe? Mesmo que não dissesse nada ela ficaria sabendo. As outras mães, pais, idem.
O diretor quis saber o que acontecera. "Carlinhos, a tarefa foi feita para ser feita. Como você não fez, fará ao término da aula. Mandarei avisar sua mãe que você chegará atrasado. Só sai depois de fazer a tarefa. Volta para a sala, pega seu material e espera aí fora." Pronto, lá se foi o futebol do final de tarde. E o pior, o discurso de minha mãe que se estenderia por dias seguidos. Qualquer deslize e ela se lembraria desta minha falta. E começaria a ladainha. Ir para a diretoria por qualquer razão era coisa a ser evitado a qualquer custo. "Você me paga." Era o que eu mais ouviria.
Os outros dois foram mandados para casa. Haviam brigado dentro da sala. Os pais deveriam traze-los no dia seguinte. Sem falta!
Não éramos santinhos nem tínhamos pretensão a. Sabíamos dos deveres e obrigações. Quando aprontávamos sabíamos das punições. Coisas bestas para os dias de hoje, como a punição que me foi dada. Mas sabíamos do nosso erro e, invariavelmente, cometíamos outros. Mas ao final de cada ano recompensávamos nossos pais com o boletim e o passaporte para a série seguinte. Reconhecíamos a autoridade do professor, sendo o diretor a figura a qual tínhamos acesso raramente. Quando íamos para sua sala sem sermos convidados o opróbrio viria. Era a autoridade maior. Acima dele nossos pais. Pobre ou rico todos tinham uma figura maior para observar e respeitar. E respeitávamos. Qualquer mijada fora do penico e eles logo ficariam sabendo. Os outros também. E como você sabe, se o inferno são os outros, imagine numa cidade com cerca de 7 ou 8 mil habitantes e com uma só escola no centro.
Os pais zelavam pelos filhos, a escola pelos alunos e a cidade pela comunidade e vice-versa. Todos conheciam os chamados maus elementos e, na mediada do possível, não nos misturávamos. A palavra chave aqui é comunidade. Havia uma comunidade. Abro espaço para o Aurélio: "Comunidade: qualquer grupo social cujos membros habitam uma região determinada., têm um mesmo governo e estão irmanados por uma mesma herança cultural e histórica." (grifo meu).
As mal traçadas de cima falam sobre uma cidade que havia há algum tempo. Não preciso dizer que a citada herança cultural e histórica perdeu-se no caminho. Caberia um estudo a respeito. Quem se aventura?Fim do texto.
· Quem irá parar a chuva?
    Eduardo Antonio de Souza Netto
    articulista@ubaweb.com

Ele já tinha me deixado, há algum tempo, só com as lembranças comuns dos anos 60-70. Aliás, nós, os de meia idade (argh!) e esperanças parcas, vivemos mastigando um velho chicletes: as lembranças daquelas duas décadas que nos levaram às alturas e depois nos soltaram sem pára-quedas. Somos sobreviventes. O Clemente, no mês passado, não conseguiu, deixou-nos, definitivamente. Neste momento, só consigo vê-lo sorrindo, gargalhando, tendo ao fundo, como trilha sonora, a canção "Azul da Cor do Mar", do Tim Maia. O Clemente, nos velhos tempos, adorava o Tim. Este se foi e, em seguida, o Clemente. Talvez já tenham se encontrado no grande oceano cósmico.
Alfredo Clemente Quaglio
O que teria ocorrido para esse merda sair de cena desse jeito?! Por que será que todo baixinho tem essa mania de entradas e saídas espetaculares, para chamar a atenção da gente. Nunca mais, desde os tempos de juventude, voltamos a conversar. Será que foi porque esgotamos, naquelas duas décadas, o que tínhamos de ser? Uma coisa é certa, dos anos 80 para cá o mundo foi ficando estranho e os objetos de nossos desejos e sonhos, evaporando-se. Poucos conseguem o antiácido eficaz para a náusea, para o fastio deste final de século. Eu me refugio na memória e entre as paredes do não tão indevassável bunker do nº 392 da Rua Baptista de Oliveira.
Hoje a nossa cidade está cheia de ruas novas, Clemente, mas todas tem olhos indiferentes e aquelas poucas dos velhos tempos, meu caro, que ligavam o passado ao presente com a esperança de desembocar no futuro, não têm saída, permanecerão caladas para sempre. Além do mais, meu caro, Ubatuba virou um lugar de passagem, parece que todo mundo está sempre de malas prontas. Acabou aquele negócio de raízes, de vínculos com a terra e o mar, uma cidade só de contemporâneos, vindos de tudo quanto é lugar, a maioria, uns pentelhos, que acham Ubatuba o melhor lugar do mundo. É porque esses filisteus imbecis não conheceram, ainda bem, a nossa Ubatuba, a dos velhos tempos. Na verdade, estão aqui só para ganhar dinheiro.
A propósito de canções, as nossas vidas foram marcadas por muitas delas. O que se faz hoje em dia é copiar o que foi feito até aquelas duas décadas. Hoje nada se cria, nada permanece, tudo se copia, tudo se desvanece. Os anos 60-70 condensaram o século XX. Foram tantas as transformações, foram tantas as expectativas de um mundo melhor para a redenção do homem que, talvez por isso, estejamos chegando ao ano 2000 com um vazio, feito nossos bolsos nos velhos tempos, danado na alma. Onde foram parar os sonhos? Ficamos sem utopias e o homem continua acorrentado em seu leito de Procusto dessa tal de modernidade.
Mas sou um sujeito que ainda acredita no homem e, por falar em ano 2000, na passagem de ano de 1999, Clemente, você sabe da minha teimosia, se eu ainda tiver preparo físico, vou tomar um porre homérico, na beira da praia, como nos velhos tempos e, se houver um violão, vou, mesmo desafinado, como nos velhos tempos, cantar Who'll Stop the Rain, do Creedence Clearwater Revival, que você tanto gostava. Espero que você dê um jeito de estar presente. Até lá, fique com Deus. Você, é claro, bem mais próximo. Baixinho porreta!Fim do texto.

Participe.
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