Página Anterior Página Inicial

Ano 1 - Nº 3 - Ubatuba, 24 de Dezembro de 1.997

Próxima Página

Artigos

O Tico-Tico e o Pardal
O Dia da Criação
Nos tempos do verde-oliva
Tufo!!!
Engenharia Virtual
Síndrome do Pânico
 

O Tico-Tico e o Pardal
Eduardo Antonio de Souza Netto
articulista@ubaweb.com

 
Tico-Tico

Tico-Tico [Do tupi tik tik; voc. onom.]
S. m. Bras.
1. Ave passeriforme, da família dos fringilídeos (Zonotrichia capensis (P.L.S. Mül.)), do Brasil e países limítrofes, de coloração parda, lavada de vermelho e pintada de preto no dorso alto, alto da cabeça pardo-escuro com três estrias cinzentas longitudinais, asas e cauda marginadas de vermelho ou cinzento, coberteiras superiores médias da asa marginadas de branco, colar lateral vermelho.

Pardal - S. m. 1. Ave passeriforme, da família dos ploceídeos (Passer domesticus L.), da região paleártica, de coloração bruno-parda com tonalidades ferrugíneas. O macho tem mancha preta que abrange a garganta e o peito, e asas malhadas de preto com listras brancas; a fêmea, coloração uniforme, mais acastanhada. Alimenta-se de grãos e sementes de gramíneas, raramente de insetos e outros artrópodes e, nas cidades, aproveita restos de toda sorte. Tornou-se ave doméstica, nidifica nas habitações humanas, e não se adapta a viver onde não habite o homem. Atualmente se acha disseminado por quase todo o Brasil, onde foi introduzido em 1.903.
(Dicionário Aurélio )

Ao atravessar a Praça 13 de Maio, fugindo do sol, sob suas árvores, ouvi o canto de um tico-tico. Tentei avistá-lo. Diminui os passos. Foi em vão. Mas era um tico-tico, tenho certeza. Ele estava lá, solitário, cantando, em meio aos ruídos da cidade -titiu-tiu-tiu-tiu... Continuei meu caminho, atravessei a praça e, já na rua, envolvido pelo calor insuportável que subia do asfalto, lembrei-me de uma conversa de tempos atrás, com um conterrâneo, de quem fugiu-me o nome, a respeito dos tico-ticos e o relacionamento destes com os pardais.
Essa pessoa contou-me que havia muitos tico-ticos em Ubatuba, mas pardal, não. Os pardais vieram de Portugal como turistas e aqui foram ficando, proliferando com uma presteza danada, ocupando todos os espaços da cidade e quanto mais a cidade se expandia, mais pardais iam nascendo. Os tico-ticos, despidos desses anelos libidinosos, dessas promiscuidades, dessa devassidão, em menor número, sobranceiros que são, cederam o espaço que tinham nas cidades aos pardais. E a cidade também colaborou com esses alienígenas, na medida em que foi extinguindo seus quintais e seus terrenos baldios.
O tico-tico, ao contrário do pardal, não anda em bandos, é uma passarinho solitário. Tem um canto singelo, um pouco melancólico. Não é feio como os pardais que se acham o máximo, os donos do pedaço, andam em turminhas e têm todos a mesma cara. O tico-tico canta, ao contrário dos forasteiros que só sabem fazer algaravias e sujar nos logradouros desde que amanhece o dia. O tico-tico, ao contrário do pardal, tem suas raízes aqui, tem laços de sangue com a terra.
Estive pensando por que os pardais não sabem cantar. Talvez porque não tenham tempo para aprender, preocupados que são em proliferar. Açodados em demasia, não têm requintes, mesmo com os alimentos - comem o que encontram. O que me irrita nos pardais é que são intrometidos demais, melhor dizendo, são humanos demais.Fim do texto.

O Dia da Criação
Herbert Marques
hmarques@iconet.com.br

O poeta Vinícius de Morais, em seu clássico poema O Dia da Criação reporta-se a Deus chamando sua atenção para a imprudência do sexto dia do Livro das Origens que ele recomendou, em sua linguagem poética, riscá-lo.
Na realidade, afirma o poeta, "depois da Overture do Fiat e da divisão de luzes e trevas, e depois da separação das águas, e depois, da fecundação da terra e depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra, melhor seria que o Senhor das Esferas tivesse descansado".
Ao adquirir o álbum TRABALHADORES, de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado e ler o maravilhoso trabalho de apresentação, assinado por ele, Eric Nepomuceno, Maria Tereza e José Solano Bastos, confesso que senti um frio na espinha, indo buscar no poeta de saudosa memória, inspiração para fazer uma dedicação a um amigo querido da qual faria presente da obra.
Salgado transferiu para a fotografia a imagem do homem que encerra o ciclo de trabalho braçal sobre a face da terra, ficando para seu admirador a enorme interrogação em sua cabeça sobre a verdade desse histórico acontecimento.
Encerra o ciclo do trabalhador braçal e começa qual? Do homem sem trabalho ou do trabalhador do passado? Em ambos a duração será de pouco tempo porque a fome se incumbirá de por fim à tragédia.
Há algumas décadas atrás o homem criava a guerra para controlar as bocas sobre a face da terra. Hoje, o HIV, o enfarte, a cirrose, o trânsito, estão fazendo as vezes daqueles memoráveis conflitos regionais, nacionais ou internacionais.
De uma forma ou de outra, o homem sempre foi e sempre será um inconveniente, daí ser impossível admitir a criação do sexto dia sem que ponhamos uma enorme dose de culpa no criador pela sua imperfeição criativa.
A crueldade existente no homem é inimaginável ser fruto de um Supremo Senhor, principalmente quando ela atinge o requinte de uma festa natalina, por exemplo, quando é comemorado pelos ricos o nascimento do filho do Criador, e pelos pobres, da comemoração, nem ao menos migalhas lhe são jogadas.
Se pelo menos, em sinal de arrependimento pelo ato imperfeito praticado, tentasse dar um jeito, abrindo a cabeça de políticos, por exemplo, e pondo nela alguma coisa útil que não fosse egoísmo, dando aos borrachudos a capacidade de tornar sua picada indolor, excluindo da vida política determinados líderes sem liderança, mas com enorme astúcia, exterminando, com sua espada de Salomão, os corruptos da face da terra, e parando por aí estaria dando mostras de sua capacidade divina. Aí sim, estria justificado o sexto dia do Livro das Origens.
Bem faz Tupã, deus supremo dos índios. Quando indignado com sua produção independente, rasga os céus com raios incandescentes, urra com o vigor de mil canhões e finalmente, em sinal de arrependimento da sua incompetente criação, silencia-se na floresta como se morto estivesse para sempre.
De qualquer forma, em atenção ao sexto dia da criação... FELIZ ANO NOVO.Fim do texto.
 

Nos tempos do verde-oliva
Aládio Teixeira Leite Filho
articulista@ubaweb.com

Os anos sessenta foram marcados por uma série de movimentos que transformaram o contexto do mundo, tais como o acentuamento dos movimentos feministas, movimento hippie que pregava o amor livre e em total comunhão com a natureza, também assistimos ao avanço da proliferação da utilização de drogas como maconha, LSD, ópio... e nosso país nesta época, no plano político sofreu um golpe dos militares que passaram a governá-lo sobre a égide da violência, durante esse longo e escuro período, pessoas foram torturadas, perseguidas, exiladas... era também a época da xenofobia: Brasil, maior país do mundo. Ninguém segura esse País... Brasil, ame-o ou deixe-o... Construiu-se para orgasmo dos militares a Usina Nuclear de Angra dos Reis...
O povo de modo geral, amava, sofria e ria através das novelas e humorísticos da Globo, mas existiam eventos que resistiam à ditadura militar, como os festivais de música, onde muita gente de talento e coragem como Geraldo Vandré, caminhava cantando e seguindo a canção, evocando que éramos todos irmãos... Este talvez um dos grandes personagens de nossa história, que resistiu e lutou com toda sua coragem, usando sua portentosa arma que era a música, para que a democracia fosse resgatada, hoje ninguém lembra de Vandré, onde andará Vandré?
Saíamos da aula ali pelas dez horas, íamos apressados para o Pata Praia, um bar de frente para a Av. Iperoig, onde ao som da música popular brasileira e afagados pela deliciosa brisa marinha, discutíamos política. A maior parte dos estudantes daquela época eram muito influenciados pelas idéias da esquerda e principalmente contra o governo militar o qual queriam ver pelas costas. Discutíamos também o contexto de nossa cidade, alguns queriam que Ubatuba, crescesse e se modernizasse o mais rapidamente possível e, saudavam a chegada de grandes empreendimentos imobiliários que iniciavam a verticalização da cidade, enquanto outros os abominavam, prevendo que a cidade tornar-se-ia muito quente, pois o gostoso vento marinho ficaria impedido de circular em virtude dos obstáculos que se constituíam o cinzento concreto, sem contar o prejuízo do cerceamento de nossa estupenda paisagem que ficaria submetida áquele festival de mal gosto cheio de janelinhas que denotavam um certo ar de prisão, deixando de aproveitar o mar de luminosidade proporcionado por nosso astro rei o sol, tão assíduo em nossa cidade.
Hoje passados os anos plúmbeos, o socialismo ruiu talvez por ter sido deturpado ou por em sua essência na verdade nunca ter sido levado a efeito, ou quem sabe por nos termos desviado dos caminhos que objetivam a perseguida utopia, razão maior de jovens idealistas, que lutaram com penas de caneta em punho denunciando os excessos da ditadura militar ou até mesmo pegando em armas, como alguns que participaram ativamente no famoso episódio do Araguaia. O capital a princípio que se delineava como o grande vencedor do jogo de braços ideológico e que dava a pinta de que ia dominar o contexto mundial de forma total com a derrota da grande potência comunista União das Repúblicas Soviética, que polarizava com os Estados Unidos da América a hegemonia do mundo, começa a dar sinal de desgastes, resultando em intranqüilidade social, principalmente para os países em desenvolvimento, caso do Brasil.
Ubatuba por sua vez, optou por um desenvolvimento desordenado, que vem causando á cidade, grandes prejuízos ecológicos, com inúmeras praias sendo sacrificadas pela poluição de efluentes domésticos, como é o caso da nossa maravilhosa praia do Itaguá, onde nem mesmo a estátua de Santos Dumont, agüentou o mau cheiro e desertou o lugar de honra a ele concedido para ali nunca mais voltar; uma proliferação de construções verticais horrorosas e mal resolvidas, que nos sonegam a bela emolduração dos morros azulados, que se avistava ao longe, contrapondo-se ao céu e que proporcionava-nos, a visão mais bela de nossa terra e que injustamente às vezes não percebíamos, no momento sua ausência, muitas tristeza nos causa. Devemos lançar ainda no prejuízo a morte de nossa cultura, pois peixe com banana verde, chiba, a dança do moçambique e todas as nossas rezas e simpatias... encontram-se aniquiladas pelas imagens pasteurizadas que bombardeiam nossas cabeças, recebidas via satélite. Plim! Plim!Fim do texto.

Página Anterior Página Inicial

Ano 1 - Nº 3 - Ubatuba, 24 de Dezembro de 1.997

Próxima Página

Copyright © 1997, UbaWeb. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução do conteúdo desta página, desde que mencionada a fonte.