A sua indignação, Julinho, é também a minha. É a de todos os ubatubanos que conhecem não somente o velho Aládio, mas também outros caiçaras que sempre pescaram de rede na baía da cidade. É mais uma ação policialesca em nome dessa coisa chamada "meio ambiente". Pessoas inteligentes sabem que quem quer mudar os efeitos tem de modificar as causas. Pessoas inteligentes e bem informadas sabem que não é a ação de pescadores artesanais que tem causado danos à fauna marinha. Não é causa necessária, nem suficiente. Policiar as grandes companhias pesqueiras exigiria instrumentos e equipamentos que a polícia ambiental nem sequer sonha em ter. Esses grandes barcos pesqueiros são imbatíveis. Sabemos que a polícia foi feita para atuar no efeito e não nas causas; mas é preciso critério, controle, prudência. Veja o exemplo da indústria da multa no controle do trânsito. Rapidamente, o que era para ser meio tornou-se fim em si mesmo. Prender e multar o velho Aládio foi uma ação espetacular, grandiosa, digna dessa esquizofrenia ambientalista dos nossos dias. Para ela, os fins justificam os meios empregados, só que se esquecem de que os meios são causa eficiente dos fins e, portanto, os determinam. O futuro a Deus pertence, no entanto fico imaginando quantos ressentimentos, quanto ódio produzimos em nosso tempo. Na pior das hipóteses, o bom senso diria que há casos como o do velho Aládio, e de outros pescadores artesanais, aplicar-se-ia o princípio da insignificância. Há jurisprudência a respeito: "Deve o acusado do crime do artigo 34 da Lei nº 9.605/98 ser absolvido por atipicidade material da conduta na hipótese em que, durante período proibido e utilizando-se de rede, é surpreendido com apenas três peixes. Tal ação é penalmente irrelevante, na medida que não provoca dano significativo ao equilíbrio ecológico e à preservação das espécies, não se confundindo com a pesca em larga escala (grifo meu), de natureza predatória. Deve ser aplicado o princípio da insignificância, que é o caminho sistematicamente correto e com base constitucional para descriminalizar condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal." (TACrimSP - Ap. nº1.325247/1 - Pedreira - 10ª Câmara - Re. Vico Mañas - J. 12.2.2003 - v.u.). O caso desse nosso conterrâneo é emblemático. Traduz o que vem ocorrendo aos ubatubanos há muitas décadas. No início, com a construção da estrada Rio-Santos, foi a pressão, o sofrimento de famílias, o sangue derramado pela sanha da exploração imobiliária. Muito se falou, matérias em jornais, teses e livros foram escritos - não deu em nada. Depois foi o tombamento da serra do mar e a criação do Parque Estadual. A legislação inicial contemplava o homem nativo. Falava-se então em integração e ações compensatórias, mas o que se seguiu foram tão somente ações policiais. Autuações e multas por um simples roçado de mandioca. O caiçara foi e continua sendo impedido de exercer o sagrado direito à propriedade, de viver como sempre viveu - da agricultura e da pesca de subsistência, com a dignidade que só quem nasceu aqui, e tenha mais de trinta anos, conhece. Ambientalistas não estão preocupados com pessoas, com coisas concretas, mas com abstrações do tipo "gerações futuras". Em nome desse futuro, que só eles têm a capacidade de antever, são punidas as gerações presentes. Como é possível tomar uma sociedade futura como parâmetro para formular critérios para a sociedade presente? Quantas crianças não foram e estão sendo punidas em nome dessa tal geração futura porque seus pais não têm hoje de onde tirar o sustento da terra que é deles, herdada de seus antepassados? Um homem sozinho não pode salvar uma cidade. Quantos serão preciso? Não sei. Só sei que pecamos quando não colocamos "porteiras" nas entradas do município. Culpa nossa. Mas já que somos em minoria, façamos como os negros, apelemos para a tal ação afirmativa. Tá na moda. Lutemos pelos direitos da minoria caiçara, seja ela branca, negra, parda ou que cor tiver. Ações compensatórias já! Com a palavra a ADPC - Associação em Defesa do Povo Caiçara. Enquanto existir bambus, vamos fazer flechas. Antes que a pátria se torne exílio.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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