Um e-mail que recebi há algum tempo continha no anexo uma história em quadrinhos engraçada e, simultaneamente, profunda sob o aspecto espiritual. Lembrei-me dela estando a conversar com algumas pessoas na sala de espera do Hospital São Francisco de Assis, em Jacareí. Vamos à historinha. No primeiro quadrinho, uma paisagem desértica e uma enorme fila de pessoas que caminham vagarosamente. Cada uma delas tem sobre os ombros o peso de uma enorme cruz de madeira. Seguem em fila indiana, arrastando aquele peso. No segundo quadrinho, surge o final da fila onde um sujeitinho, incomodado com a carga sobre os ombros, resolve aliviar um pouco o peso: corta um pedaço da madeira da cruz. Mais adiante, corta outro pedaço. E assim segue ele o cortejo, cortando pedaços da cruz que carrega, e com um sorriso nos lábios. Agora a cruz dele ficou pequena e leve. Ele é todo sorriso. O desfecho, no último quadrinho, mostra um desfiladeiro, um abismo em que os caminhantes, para poder transpô-lo, têm de usar a cruz que carregam como ponte, estendida entre uma margem e outra do abismo. Quando chega a vez do nosso esperto personagem é que a porca torce o rabo. O toquinho de cruz que ele carrega não lhe permite estendê-la sobre o abismo, ficou curta demais, e ele fica do lado de cá a assistir os caminhantes, do outro lado do desfiladeiro, seguirem adiante, em fila, carregando suas pesadas cruzes. A historinha termina aqui. Para quem é cristão, a moral da história é óbvia, para os que não são, a historinha fica adstrita somente ao humor. Cada qual carregar a cruz que lhe é dada, resignadamente. No cristianismo há uma promessa de recompensa por tal atitude. Não neste mundo, neste vale de lágrimas, mas em outro. A fé faz suportar o peso sobre os ombros e seguir adiante. A cruz é uma contradição, como muitas coisas que há no cristianismo, ela é, ao mesmo tempo, a dor, o sofrimento e o ato máximo de amor, uma resposta definitiva para o sentido da vida. A vida tem sentido e, como todas as coisas, o sentido, necessariamente, tem de estar fora, além delas. A sala de espera do hospital em que eu conversava sobre esse assunto era a de oncologia, e todos ali carregavam suas imensas cruzes, e muitos deles sorriam.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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