Certa feita, demoliram o Hotel Felipe, um dos nossos poucos prédios históricos, porque estrangulava a rua Dona Maria Alves, no trecho entre a Cel. Domiciano e a Jordão Homem da Costa, e também porque atendia a interesses de alguns comerciantes locais. Tempos depois, na não muito calada da noite, funcionários da prefeitura demoliram ranchos de pescadores que ficavam na praia do Cruzeiro, onde hoje está localizada a pista de skate, para atender aos interesses de uma urbanização questionável. Não levamos em consideração - e até hoje continuamos não levando, ao contrário de muitas outras cidades que os tem como carro-chefe para o turismo - os valores histórico-culturais. Houve até o caso de um vereador que, sabendo que o Casarão do Porto seria tombado, disse com toda jactância que o prédio estava muito velho mesmo e que não haveria problemas em derrubá-lo. Planejamento por aqui é apenas artefato de oratória. Há décadas, o município se caracteriza pelo uso de bicicletas como meio de transporte para a maioria da população. A construção de ciclovias é uma necessidade óbvia, porém, é preciso antes atender aos interesses dos comerciantes estabelecidos nas ruas onde elas serão projetadas. Eles temem prejuízos a seus negócios! Só têm visão para o resultado do caixa no fim do dia. Não enxergam outros valores que poderiam ser agregados, direta ou indiretamente, a médio ou em longo prazo, a seus negócios e empreendimentos. A ciclovia não sairá. Ficará amarrada nas "discussões democráticas". O trânsito continuará o caos a que estamos acostumados. Um paradoxo, se pensamos em termos de turismo. Uma cidade sem planejamento, sem diretrizes, sem políticas públicas coordenadas, referidas a um plano maior de desenvolvimento integrado. Todas as ações são casuísticas. Agora, para atender aos interesses da feira hippie (ainda existem hippies?!!! - por aí se vê o atraso cultural), removeu-se uma antiga amendoeira que guarnecia o Cruzeiro - por pouco não se removia de local o próprio Cruzeiro - para dar espaço à portentosa obra urbanística de assentamento definitivo de um comércio que deveria ser ambulante, ou estabelecido, sempre em caráter precário, dentro de um mercado municipal, a exemplo dos feirantes de produtos agrícolas. Tudo bem, defendo o direito de todos terem a oportunidade de um lugar ao sol e entendo que árvores em áreas urbanas são plantadas e removidas para atender aos interesses do paisagismo, da urbanização; mas fazê-lo sem levar em conta valores agregados à existência de determinada árvore só para agradar meia dúzia de feirantes é piada de mau gosto! É interessante observar como o tal comércio ambulante, desde que foi previsto no município pelo código tributário, em vez de ambular se enraíza, toma posse de áreas publicas. Cadê o prestígio e a força política da associação dos nossos comerciantes para impedir essa concorrência desleal, praticada com incentivos do poder público? Na verdade, todo mundo em Ubatuba quer mais é estar de bem com as autoridades. Aberto o precedente, por que não permitir, na praia do Cruzeiro, feiras de animais, do pescado, de carrinhos de hot dog? Já que é pra avacalhar... Ah, nessa mesma pauta, tem também o parquinho de diversões, os quiosques, que recentemente foram objetos de acirrada polêmica e tomou conta da mídia. Vejam vocês como são grandiosas e grandiloqüentes as nossas discussões e preocupações com o futuro do município. Planejamento à moda da casa. E o incrível é que todas essas bijuterias são objetos de estéreis discussões "democráticas". Quem é a favor da feira de um lado e, de outro, os que são contra. Acima, ninguém para arbitrar e, quando arbitra, leva em conta apenas o possível desgaste, o custo/benefício político próprio. Enquanto isso, a verdadeira democracia, que se fundamenta no estado de direito, em direitos e obrigações, no respeito e no cumprimento das leis, fica de fora. Tudo isso é um retrato do que somos - uma bela menina, mal vestida e mal educada, que há algumas décadas disseram tinha um futuro brilhante... Talvez um bom partido, um bom casamento ou, no mínimo, um amante rico, compreensivo, afetuoso... Mas acabou na zona, prostituiu-se de forma barata e ordinária. Acostumou-se. É quase impossível resgatá-la. Pelo menos da forma como vêm tentando.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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