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COLUNISTA
Eduardo Souza
20/07/2005 - 08h09
Plano Diretor
 
 

Quando leio ou ouço falar em plano diretor para Ubatuba e coisas do gênero, fico arreliado feito siri candeia na lata. Tenho acompanhado o empenho de gente séria e competente como o Renato Nunes e o Gilmar Rocha. Devemos ouvi-los sempre que possível. Assunto de longa data, o planejamento do município, volta e meia colocam-no na pauta da ordem do dia. Se nunca sai do forno, é porque sempre tem alguém bulindo na lenha ou botando água fria. Ao fim e ao cabo, Ubatuba acaba sempre perdendo o trem da história por causa das tais políticas oportunistas.

O município vem, já de há algum tempo, se virando como pode com as safras mixurucas do turismo de massa. A administração pública não tem receita para investimentos e o Estado quase nada faz por estas bandas. O gás será a salvação da lavoura! Já estão vaticinando. Deus permita. Mas, como bom guaruçá, desconfiado, criado na praia do Cruzeiro, sei que nem tudo na areia está morto ou é comida. Se Ubatuba não se preparar para um novo ciclo de expansão econômica, como nos áureos tempos da construção civil, na década de setenta, assistiremos ao agravamento dos nossos já insuportáveis problemas sócio-culturais. Não existe desenvolvimento onde não há melhora na qualidade de vida.

Hoje em dia, nós, os sobreviventes caiçaras, sabemos o preço, as conseqüências do "progresso" que a exploração imobiliária e a construção civil nos proporcionaram. Assistimos, impotentes, à fabulosa migração de pessoas em busca de trabalho na construção civil, desvalorizando o mercado local pela oferta excessiva, concorrendo de modo nocivo com o trabalhador nativo. Este, por sua vez, nunca teve oportunidade de especializar-se ou qualificar-se. O município nunca investiu na formação da mão-de-obra aborígine a que demandariam as novas atividades econômicas: a construção civil e o turismo. Na época, um grupo de jovens ubatubenses conseguiu a muito custo implantar o curso técnico de contabilidade, a Escola de Comércio, hoje denominada Tancredo Neves. Nada mais se fez em termos de formação de mão-de-obra para o novo mercado de trabalho que se anunciava. Já o turismo teve início com a melhoria da estrada Ubatuba-Caraguatatuba, a implantação da energia elétrica (CESP), da telefonia (TELESP) e com a política econômica do governo militar que praticamente criou a classe média no Brasil. Com o crescimento da produção automobilística no País, todo mundo passou a ter o seu fusquinha, comprado em até 24 prestações, e a viajar nas férias.

O trem da história passou por Ubatuba na década de sessenta, com a velocidade de um trem-bala. O maquinista? Francisco Matarazzo Sobrinho. Os nativos não o entenderam e tampouco se entendeu o trem. Passou, e não embarcamos. Até hoje fico conjeturando o que teria motivado um sujeito como o Ciccillo Matarazzo ser prefeito de uma cidadezinha como a Ubatuba daquela época. Não creio que o motivo tenha sido político. Teria se deixado convencer por amigos e bajuladores interessados no potencial turístico e imobiliário do município? Bem, deixemos isso de lado. O importante nesse período de nossa história é marcado mais pelo que o Ciccillo poderia ter feito, do que pelas coisas que fez. Destas, devo reconhecer como fundamental, a reforma administrativa da prefeitura. Se o município pôde, bem ou mal, suportar as transformações que tiveram início naquela década, deveu-se à estrutura administrativa implantada em sua gestão.

Tive oportunidade de conhecer, através de um calhamaço denominado "Prospecção dos Problemas de Desenvolvimento de Ubatuba", algumas das coisas que Ciccillo poderia ter feito por Ubatuba, e creio que, se na época se concretizassem, não teríamos muitos dos problemas atuais. Principalmente a falta de um Plano Diretor. Trata-se, o calhamaço, de um trabalho encomendado pelo prefeito a técnicos de uma empresa chamada SAGMACS. Uma prospecção sumária dos problemas do município como subsídio para ações administrativas. Aborda questões da infraestrutura municipal, da agricultura e das populações que havia à época, do desenvolvimento da pesca, dos problemas de saúde pública, dos educacionais e os do desenvolvimento turístico.

Na introdução, à certa altura, é dito: "Revela essa experiência a total ineficácia e o malogro de todas as iniciativas acobertadas com indiscutível valor técnico e científico mas que não contaram com a real participação das coletividades e que não foram realizadas simultaneamente com o esforço de reforma administrativa. Cabe, porém, sublinhar que a mais profunda reforma administrativa não se traduz apenas na modernização das normas funcionais de govêrno, mas inclui necessariamente a integração coletiva às preocupações e responsabilidades que são comuns aos dirigentes e às diversas camadas da população. Donde uma conclusão capital se depreende: no caso de um município como o de Ubatuba o fator humano, a elevação dos níveis humanos (grifo meu) da população, medidas concretas e imediatas de promoção humana são condições imprescindíveis para que a administração possa vir a levar a efeito rapidamente um plano de desenvolvimento autêntico."

É um trabalho admirável. Um levantamento exato do que era, na década de sessenta, a vida dos ubatubenses. O município não tinha mais do que 12 mil habitantes, e é assim que, em rápidas pinceladas, nos dá algumas das causas do que mais tarde resultaria na tragédia do caiçara, no processo de aculturação e de marginalização social a que foi submetido: "... o caiçara apresenta, segundo estudiosos dos costumes locais, profundo sentido de certos valores morais. Indícios desses valores seriam a recusa sistemática da mendicância, o sentido de lealdade nas relações sociais, o espírito de autonomia e liberdade na condução da própria vida. No entanto, a falta de racionalidade mais elementar no comportamento econômico, revelada pela rejeição a horários e ritmos de trabalho é uma das características que dificultam a integração imediata do caiçara na sociedade industrial.(...) há um notável equilíbrio na vida social. Um dos poucos elementos a perturbar esse equilíbrio do qual voltaremos a falar - é a ação dos grileiros atraídos pela valorização iminente das terras próximas à faixa reservada à futura rodovia Ubatuba-Paraty."

A respeito dos problemas do desenvolvimento turístico, esse trabalho entregue ao prefeito Matarazzo já sugeria, entre outras coisas, a criação do que hoje é a COMTUR: "Outro aspecto imprevisível é a parcela de encargos sociais que poderia ser absorvida por esta sociedade. De fato, sabe-se que a promoção da população local, analisada em outro capítulo, exige vários programas de importância. Ora, Turismo apresenta-se, mais que qualquer outro setor da economia municipal, como o grande promotor do desenvolvimento geral, capaz de beneficiar, direta ou indiretamente, toda a população. Assim, parece-nos interessante que a Sociedade de Promoção Turística indique inclusive por seu nome (por exemplo: Companhia de Desenvolvimento de Ubatuba), o largo âmbito que poderão atingir suas atividades, não só na promoção de empreendimentos econômicos, como na de operações de interesse social".

Bem, o trem Matarazzo passou, e, para que a paciência do leitor não saia do trilho, paro por aqui. Fiquemos, no entanto, preparados, atentos ao próximo apito.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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