Não é que descobriram um novo espécime de passarinho da nossa fauna? É o Bicudinho. Foi lá em São Paulo. Parece uma corruíra. É carijó. Tem o peito branco com bolinhas pretas. Vive no brejo. Viveu até outro dia no anonimato, quietinho lá nos brejos e pântanos da vida, até que o descobriram. Dizem que corre risco de extinção, o coitadinho. Abunda-me a imaginação, fico a pensar na galera da Fiel promovendo um plebiscito: o gavião ou o bicudinho do brejo? Ou então, como o nosso apedeuta e midiático presidente é corintiano, mentalizo a possibilidade de que baixe uma MP (já que a pauta do Congresso anda atravancada) tornando o bicudinho do brejo um símbolo nacional, o pássaro representante da fauna brasileira. Tem tudo a ver com o Brasil, o bicudinho do brejo, que até ontem vivia no anonimato, sem que ninguém se preocupasse com seu destino, com sua extinção iminente. O bicudinho não é a nossa cara? Vejam só como são as coisas, o fato de São Paulo ser uma metrópole não significa que não tenha brejo. O brejo pode ser um acidente geográfico ou um estado de espírito. O brejo existe em tudo quanto é lugar. É o lugar dos anônimos; mas você pode estar no brejo sem ser do brejo. O brejo é circunstância e se torna nocivo quando se instala na alma. Quando Roma consumia-se em chamas, e o império desmoronava, os barnabés, os bajuladores, comissionados e puxa-sacos exclamavam: Danou-se! Desta vez a vaca foi pro brejo! O brejo é o fim duma civilização, mas pode ser o começo de outra. Já que estamos a falar da vida no brejo e de espécime em extinção, você soube da notícia de que o Brasil ocupa lugar privilegiado no ranking mundial da criminalidade, dos crimes praticados com armas de fogo? Morre mais gente vitimada por armas de fogo no Brasil do que em Israel, em guerra permanente com seus primos árabe-palestinos. A insegurança do povo brasileiro nada fica a dever à do povo iraquiano. Agora, o interessante nessa história é a solução proposta pelos nossos governantes e pela nossa intelligentzia de plantão: fazer o mais rápido possível um plebiscito para acabar com a venda de armas de fogo à população brasileira, aos homens de bem. Quem quer eliminar os efeitos, tem de modificar as causas. É um princípio evidente. A existência da arma é condição necessária para que haja o crime, porém não é condição suficiente. Esta condição exige a presença de uma pessoa, movida pela intenção de matar, que utilize para tal fim a dita arma. Supor que toda pessoa que possua arma de fogo irá utilizá-la para ferir alguém, sem que seja em legítima defesa da própria vida, é um absurdo. Seria o mesmo que dizer que todo aquele que possua um automóvel veloz seja a causa das mortes por acidentes de trânsito. Deu para entender? Pois é, você entende, mas os que nos governam e a nossa intelligentzia não. Dizem que um néscio é muito mais funesto que um malvado, porque o malvado descansa de vez em quando, e o néscio jamais. Estamos nas mãos dessa gente? Mas será mesmo que eles são apenas e tão somente ignorantes ou na verdade seriam maliciosos? Há quem afirme que há uma articulação subjacente nesse desarmamento da população civil, dos homens de bem, para torná-la impotente, submetida, à mercê daqueles que ambicionam implantar no país um regime totalitário. Faz parte dessas manobras o MST (futuro braço armado), o narcotráfico - FARCs, maquinações para o descrédito das instituições, a situação falimentar e de ineficiência dos órgãos de segurança do Estado, entre outros fatores. O objetivo proclamado por uma das assembléias do Foro de São Paulo é: "reconquistar na América Latina o que perdemos no Leste Europeu”. Um articulista do jornal O Globo chega a dizer que "O Brasil só tem três instituições estáveis: o Foro de São Paulo, a Receita Federal e o narcotráfico. O resto é ilusão". Bem, seja lá o que for, esse filme já vimos antes e não acaba bem, e se servir de consolo, o brejo é logo ali. E bicudinho calado.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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