Estamos no outono, a ressaca do verão, e caminhamos para o inverno. Teremos dias cinzentos, sentiremos mais o peso da gravidade e da rabugice. Gozaremos mais tempo na cama. Nós, brasileiros, cultores do corpo, da sensualidade, do hedonismo. Definitivamente, fomos feitos para o verão. Feitos para a diversão e a pouca roupa, por fora e por dentro. Às nossas almas, basta um fio dental abstrato que se dão por satisfeitas. Refletir exige toda uma indumentária a que não nos acostumamos. Por fora, bela viola, por dentro... Ano de eleições. A festa máxima da nossa democracia. Televisionada e radiofonizada. Intelectuais falarão novamente de resgate da cidadania, de ética, de justiça social, de desenvolvimento auto-sustentável, de solidariedade e de outras abstrações fio-dental de que se nutrem nossas almas. Povo nas ruas e nas praças, festejando o voto obrigatório naqueles que governarão e legislarão por nós e para nós. Já antevejo peões de trecho de Claro ou Vivo na mão, fazendo pose na esquina, falando alto, para o colega que ainda não chegou para votar, das qualidades e do potencial de determinado candidato. Coisa de primeiro mundo, minha gente. Mesas fartas de promessas, de quindins redentores. Profetas e messias subirão ao alto dos palanques e, inflamados, vociferarão contra os inimigos do povo sofrido e nos mostrarão o caminho da roça, digo, da terra da promissão. Filme pornográfico que não cansamos de assistir e tomar parte, como coadjuvantes, ou meras escadas para os artistas principais, os que realmente trepam. Festa acabada, músicos a pé, como sempre. Democracia. Êta palavrinha mágica, polissêmica e polivalente! Infelizmente, frágil e desprotegida como o hímen de uma donzela. Donzela... Há muitos e muitos anos... Havia sim! Por falar em democracia, o grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) solicitou a imediata e incondicional liberdade para dez presos políticos em Cuba. Foram encarcerados por terem participado de uma manifestação realizada no dia 4 de março de 2002. Desde essa data, permanecem em prisão preventiva. Pode? Há entre eles um deficiente visual, o advogado Juan Carlos Gonzáles Leiva. "Os dissidentes foram condenados por suas convicções políticas e suas atividades políticas pacifistas. Nunca deveriam ter sido submetidos a um julgamento", lamentou o chileno José Miguel Vivanco, diretor executivo da divisão para as Américas da HRW. Pois é, a Cuba do Coroné Fidé, aquela ilha democrática, tão ao gosto do Chico Buarque e do Zé Dirceu. Em breve, por estas bandas, não será muito difícil de adotarmos também esses procedimentos. Tudo em nome da democracia e da governabilidade, outra palavrinha mágica. Ai de quem falar mal ou ser contrário aos ideais, à ideologia sacrossanta do PT ou de qualquer outra sigla de esquerda que estiver no pudê. Ah, já sei, vão dizer que o que aí está não é a esquerda. Tá. O socialismo é assim, quando chega ao poder nunca é o socialismo real, sendo que este ninguém nunca viu nem sabe ao certo o que seja. Agora, que essa aventura insana faz um estrago desgraçado por onde já passou, lá isso faz. É muita rabugice e lubricidade para um só dia de outono e para um textinho deste, pingo, não, digito o ponto final.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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