A gente critica, às vezes mete o pau, mas acaba constatando que não é fácil viver longe daqui, habitar outras cidades. Ubatuba ainda é o melhor lugar do mundo. Conclusão a que se chegou numa recente conversa de botequim. Na hora, senti vontade de contrapor Paris ou Nova York, com muito dinheiro no bolso, é claro. Contive-me. No fundo, sei que, para onde quer que eu vá, levarei esta cidade comigo. Esta?... Não, a outra, a Ubatuba de minha infância e juventude. Da minha Ubatuba muito pouco restou e a de hoje é muito estranha. Às vezes me dá a sensação de exílio, de que estou em terra estrangeira. Lembro-me de que os espaços públicos da minha Ubatuba serviam para aproximar, para congregar as pessoas em comunidade. Era rotineiro ouvir dos ubatubenses: "Bom dia, comadre!" ou "Deus te abençoe, meu afilhado!" Na Ubatuba de hoje as pessoas se temem, e os espaços públicos servem a "eventos", ao tráfego automobilístico, a motoristas estressados que não admitem a liberdade dos ciclistas e pedestres. Afinal, trânsito ordenado de veículos é sinal de progresso, embora a lei orgânica municipal dê preferência, em nosso sistema viário, aos pedestres e aos ciclistas. Acredito que numa cidade turística litorânea, além da paisagem, o charme é a descontração e a alegria das pessoas. Na minha Ubatuba, os veículos mais velozes eram a bicicleta do professor Lauristano, o carro de bois do Fabiano e o Ford Bigode do Comendador Antonio Miranda. Ruas de areia, cheias de buracos úteis para as bolinhas de gude. As portas e janelas esqueciam-se das trancas e os quintais viviam se abraçando. O tempo, preguiçoso, passava devagar feito procissão. Povo provinciano, simplório, com mais jeito e tempo para o riso sincero, de malícia pouca, quase inocente, se comparado à gente de hoje. Talvez seja isso o que atraiu, além das belezas naturais, aqueles turistas endinheirados da Capital que acabaram por não mais freqüentar o município. Na minha Ubatuba, cada rua, cada esquina, cada recanto guarda uma lembrança. O sujeito que não é daqui, sem raízes com esta terra, passa por uma rua e ela é tão somente uma rua como outra qualquer; se vai a uma praia, tudo o que há em torno é apenas paisagem, todas as coisas dão a ele apenas o significado no nível funcional ou denotativo. Já para os ubatubanos, ou ubatubenses, essas coisas têm significados invisíveis que as ligam a nós, estão em comunhão conosco no plano existencial. Certas ruas, esquinas, praias, costeiras, moluscos, peixes etc., além de um nome que as distinguem, remetem-nos a determinadas experiências, a situações e circunstâncias vitais. A Ubatuba de hoje tem pressa, não sabe aonde quer chegar. Alguns até a vêem como uma paciente e não se furtam a diagnosticar-lhe os males e a receitar-lhe remédios miraculosos, verdadeiras panacéias. Não raro se equivocam. Tratam dos efeitos em lugar das causas ou se digladiam por questões irrelevantes quanto ao sintoma. Eu já acredito que a doença é mais da alma do que do corpo, e que é preciso investir mais no homem, no munícipe, mais do que no turista. Investir na formação. Educação e Cultura talvez seja o remédio eficaz a médio e a longo prazo. Mas é uma terapia que necessita o comprometimento de todos. Não se deve mais entender que a cura esteja tão somente nas mãos dos políticos. Como é de praxe eles costumam, no máximo, usar de paliativos ou de cosméticos para disfarçar a lividez da cara da pobrezinha. Penso que seja necessária a participação, o envolvimento da sociedade civil organizada e das instituições religiosas tradicionais nesse projeto. Qualidade de vida talvez seja a palavra-chave. Mas qualidade de vida não se traduz unicamente nas questões econômicas, de progresso e de conforto material. E digo que, ao contrário do que pensam os marxistas, é a cultura de um povo que determina os meios de produção na economia. Qualidade de vida é fruto da cultura, dos valores que norteiam as escolhas que o indivíduo faz dentro de sua comunidade. E os valores serão bons ou maus sempre em relação aos fins, às metas que nos propomos alcançar. Se nos propomos viver em Ubatuba única e exclusivamente para ganhar dinheiro, veremos em tudo oportunidades de negócios. Mas existem coisas consideradas vitais que não se compram e não se vendem. Além do mais, creio que a melhor atração turística de uma cidade é, sem a menor dúvida, a qualidade de vida de seu povo.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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