Julinho Mendes | |
Já cumpri com meu divino dever: reflorestei, dei sombra fresca, produzi ar puro, abriguei passarinhos, alimentei formigas, oxigenei a terra. Nesse meu período de vida, vislumbrei a vocação e o destino de meus pais: Ser navegante! Mas o destino a Deus pertence. Hoje me encontro velho, seco, sem vida e com o destino de em breve me desintegrar na terra. Não foi esse o destino de meus pais. Não é esse o fim que eu quero. Quero ainda poder navegar, morar num ranchinho à beira da praia, rolar em rolo e beijar o mar. Quero pescar, balançar nas marolas, carregar pescador, sentir o vento na proa, quilhar na popa em rumo a parcéis. Quero ser livre, seguir o clarão do sol e voltar no rastro da lua. Quero ouvir o canto dos goetes, quero o encanto das sereias, a benção de Iemanjá... Estou com medo. O tempo está passando e ninguém vem me buscar. Pica-paus e baitacas já me fazem buracos para seus ninhos. Minhas raízes interromperam o sulco da terra, não bebo mais água, não oxigeno mais. Por favor, não me deixem aqui! Daqui a pouco vem um sudoeste qualquer e me põe no chão e cai também o meu sonho de ser navegante. Se me ajudarem saio daqui e igual papai e mamãe me torno canoa, navegante e me findo no mar. Quero que me pintem de verde e amarelo e me deem o nome de Ícaro. Vou navegar ao sol, derreter-me ao tempo e diluir-me no mar. Quero ser canoa! Quero navegar! Na mata, em breve, findarei. No mar vida nova terei. Sou Guapurubu, dos tupinambás, dos caiçaras... Sou do lugar de muitas canoas. Sou de Ubatuba e moro no morro do Félix. Venham! Venham me buscar!
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