Fiquei pasmo ao ler a crônica "Pecado é não pecar", do Herbert Marques, velho amigo e articulista desta revista, em que faz, urbi et orbi, a expiação de seus pecados. Valha-me Deus! Deveria tê-lo feito sim, mas a um clérigo, no isolamento de um confessionário. Sinto-me na obrigação de pronunciar-me sobre o texto do amigo penitente, sem a pretensão de lhe arrancar o argueiro dos olhos, mesmo porque os meus estão que é só cisco. Diz o amigo que é uma pessoa avara, fala da dificuldade de dividir com o próximo, por exemplo, uma bela mulher que lhe custou muito ganhar. Meu caro, não vejo isso como pecado. Se for, talvez seja um pecadozinho venial, palatável. Uma bela mulher não se divide, não podemos ser pródigos a esse ponto. Agora, a certa altura da vida, o busílis de conquistar uma bela mulher é o de ter e manter a posse mansa e pacificamente. Lembro-lhe, para que medite no silêncio e isolamento de sua alcova, o dogma caiçara: "Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro". Quanto ao Johnny Walker blue, pense que, se a garrafa for a única e estiver pela metade, pode acontecer de os amigos, ao lhe visitarem, estando sequiosos, entenderem que ela está quase cheia; e você terá então de defender, como excelente causídico que é, a tese de que a garrafa está quase vazia. Havendo um impasse nesse contencioso, convide-me para arbitrar. Ah, não deixe de refletir sobre a virtude da temperança. Tudo o que é demais enfastia. A respeito da gula, o amigo estaria em maus lençóis se nesta terra imperasse a fome, como querem os maquinadores do Fome Zero; todavia, segundo o IBGE, o problema do povão é o da obesidade. Assim, meu caro, coma o seu churrasco, o seu roeti de salmão, o seu croquete, sem culpas. Viva o socialismo, a igualdade, a fraternidade na adiposidade. Diz à certa altura: "Não posso negar a grande inveja que sinto em não poder acompanhar os jovens de dezoito anos e aprontar com eles tudo que aprontei naquela idade". Não conheci o amigo quando tinha dezoito anos, e nem é o caso de uma investigação pelo D. I. V. A. de Ubatuba porque hoje em dia é normalíssimo assumir suas preferências e não há idade para tanto. Quero dizer também que não há luxúria em olhar a foto da Piovani sem calcinha. Luxúria seria, ela estando de calcinha, passar os dias no banheiro imaginando o formato, espessura, largura, profundidade, odor, sabor, cor etc., torturando-se por causa do veludo velado. Quanto à namorada do Itamar no sambódromo, também não vejo o dito pecado, mesmo porque ao lado da moça está o próprio Itamar, que é um soporífero, um anafrodisíaco franciscano de lascar. Pense na temperança e nos cuidados para não se escravizar à concupiscência. A ira contra o PT e o Lula, a meu ver é ira santa. Analisando atentamente esse desvelar de seu âmago, essa lavação de roupas da alma, e lendo nas entrelinhas, posso dizer que o amigo não é um pecador inveterado, uma ovelha desgarrada ou irremediavelmente perdida. Na verdade, tudo o que confessa não é caso de expiação ou de mortificação com cilício e jejum. O que o amigo considera pecado, vejo como prudência. Virtude rara hoje em dia. Talvez passe por uma rápida estadia no purgatório antes de "E quindi uscimmo a riveder le stelle". Todavia, deve lutar para ser um pouco mais generoso, cultivar o é dando que se recebe. Comece a dar hoje mesmo. Com as minhas bênçãos.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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