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COLUNISTA
Julinho Mendes
15/05/2012 - 16h02
Dormindo em cama de pau duro
 
 

A crônica que reedito hoje é do saudoso amigo João de Souza, o poeta do pé rachado, é mais uma do tempo do programa Ranchinho Caiçara, comandado pelo amigo radialista Tony Luiz, em 2001, na rádio Costa Azul. O programa era fantástico e tinha uma audiência que impressionava e até hoje é lembrado pelas pessoas em diversos lugares de Ubatuba e até de Paraty. Dizia o poeta:

Hoje em dia só existem colchões de espuma, aquela espuma macia em que o sujeito deita para dormir e no outro dia acorda com dores por todo o corpo e não sabe o motivo de tanta dores, principalmente as dores na coluna, que atinge sete em cada dez pessoas.

Antigamente eram raras as queixas com esses tipos de dores, pois o caiçara dormia em cama de pau duro; ou seja, em tarimba feita de pau roliço, tirado da mata próxima.

Quantos caiçaras ainda sentem a saudade de uma noite bem dormida, numa tarimba feita de pau duro, madeira roliça ou taquaras estivadas e amarradas com cipó imbé ou casca de embira e até casca de imbaúba.

Os caiçaras faziam suas tarimbas no quarto, na sala e em época de frio, a tarimba era feita na cozinha, bem pertinho do fogão a lenha que era para esquentar o releixo da madrugada que varava a parede de pau-a-pique e batia na costela.

O caiçara de beira de praia forrava a tarimba com esteira de taboa, e o caiçara do sertão forrava sua tarimba com palha de guarecanga.

A taboa é uma planta aquática muito comum nos brejos existentes próximos às praia; ela é uma fita esponjosa que depois de seca, os caiçaras fabricavam, além das esteiras para forrar as tarimbas, faziam também redes, tapetes, cortinas, bolsas e muitos outros artesanatos.

A guarecanga é uma planta, um tipo de palmeira, que vive dentro da Mata Atlântica, em lugares sombrios. Tanto os índios como os caiçaras faziam uso da folhagem para forrar e tornar macia a tarimba de dormir.

- Tenho saudades do tempo que dormia em cama de pau duro; hoje está tudo mole, pois a cama é de colchão de espuma; uma coisa que muitas vezes deixa a gente com dores nas costas, com torcicolo, reumatismo e que faz a gente acordar mal humorado!!!

- Tenho saudades do tempo que dormia em cama de pau duro; hoje está tudo mole, pois a cama é de colchão de espuma; uma coisa que não ajunta pulgas para se coçar, percevejos para beliscar e nem marandovás para catingar!

- Tenho saudades do tempo que dormia em cama de pau duro; hoje está tudo mole, pois a cama é de colchão de espuma; uma coisa que não faz a gente sonhar mais com os lanços de tainhas, o arrastão no lagamá ou o corrico da sinhá-rosa!

- Tenho saudades do tempo que dormia em cama de pau duro; hoje está tudo mole, pois a cama é de colchão de espuma; uma coisa que não faz o rangido do nheco-nheco!

- Saudades, saudades e saudades!!! Assim como a cama era dura, a vida também era dura; mas se vivia com liberdade, com trabalho, saúde, respeito, fartura, sossego...

Hoje a cama é mole, a vida é mole; mas cadê a liberdade, o trabalho, o respeito, a segurança, o sossego...

Pois é! Da tarimba de palha ao colchão de espuma, hoje as coisas ficaram moles.”

João ainda nos presenteava com frases que nos fazem refletir: “O melhor sono é aquele em que se dorme com a consciência, salvo do dinheiro fácil.”

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