Acho que aquele tipo de turismo, o de temporada, meu caro Emilio, não deve existir mais em lugar nenhum. As transformações na sociedade, decorrentes de novas classes sociais, os novos valores culturais, as facilidades de locomoção das pessoas pertencentes a essas novas classes, todas essas coisas afastaram os que apreciavam champagne - que são os que lançam moda e criam o glamour - para que houvesse o reinado absoluto dos apreciadores da cachaça, do kit pão com marba e do churrasquinho na laje. Turismo doravante só o segmentado: cultural, ecológico, náutico etc. Fora isso, é essa horda que invade a cidade, caga na gente e depois vai embora. Apreciamos quantidade em vez de qualidade. E, qualidade, só teremos novamente quando entendermos que devemos pensar a cidade, preferencialmente, para o nosso bem estar, para a nossa qualidade de vida, para o nosso novo modo de ser (que não mais será o caiçara, infelizmente). Aí, então, encontraremos o diferencial, encontraremos aquilo que responderá à pergunta: por que ir à Ubatuba em vez de a outro lugar? Mudando de pato pra ganso, adorei ver a escultura postada pelo Julinho Mendes na crônica “Vicente Ramos, um caçador sem igual”. É o seu Vicente Ramos, cara! Seu Vicente, um dos personagens mais queridos de minha infância. Ele e o meu tio João Pinto de Oliveira. Os dois moravam no mesmo quarteirão, eram amicíssimos, compadres, colegas de DER e exímios caçadores. Tio João, casado com a irmã de minha mãe, tia Conceição que, coincidentemente, morava na Rua Conceição. Lembro-me de que, certa feita, estava brincando no quintal da casa dessa minha tia quando, de repente, Jadisse, o velho cachorro, levantou-se, ergueu as orelhas e saiu, abanando o rabo, em direção ao portão. Tia Conceição, entre dentes, resmungou algo parecido com: “Eles estão de volta...” Eles eram o João Pinto e o Vicente Ramos que, há dias na Serra do Mar, voltavam da caçada. Saí na rua para ver e, de fato, os dois vinham caminhando arqueados pelo peso da espingarda, facão, dos quartos do porco-do-mato e dos sacos com as aves abatidas. O velho Jadisse não cabia em si de contente. Vicente Ramos tomou o rumo da casa dele, pela Gastão Madeira, e o tio João continuou, seguido pela criançada e o Jadisse. Já em casa, despejou no chão da cozinha a carga que trazia. Nunca vi tantas aves como naquele dia: jacutinga, dorminhoco, tucano, uru, macuco... As panelas com água foram imediatamente colocadas para ferver no fogão à lenha. Não demorou muito, estávamos todos ajudando a depenar as aves abatidas. Carlos Rizzo que não me leia. No chão, ficou um monte de penas multicoloridas... Fora uma caçada e tanto. Coisa inadmissível hoje em dia, mas que, naqueles tempos, fazia parte da vida do caiçara e do caipira. O texto do Julinho trouxe-me essas reminiscências, lembranças dessas duas pessoas muito queridas, que fizeram parte de minha história. Antes de encerrar estas mal digitadas, quero felicitar estes meus conterrâneos que não poupam esforços para resguardar e resgatar nossa memória: Julinho Mendes, José Ronaldo dos Santos, Ezequiel dos Santos e o Silvio Cesar Fonseca. E pingo aqui o ponto final.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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